quinta-feira, janeiro 07, 2016

Fraqueza genuína

Às vezes apetecia-me ser capaz de odiar com a profundidade necessária à sensação de ódio. Tenho a impressão de não ter desenvolvido essa competência.

Sempre que me imagino a odiar alguém lá vem aquele bonequito do anjinho poisar-me no ombro a sussurrar-me no ouvido coisas que me impedem de sentir um genuíno ódio, tão necessário à higiene mental de qualquer cidadão ocidental contemporâneo. O diabito recolhe-se, amuado, e não diz mais nada.

Estarei tão amolecido que nunca ultrapassei a fase "bebé", no que diz respeito à capacidade barbuda de desejar enfiar um garfo no globo ocular de qualquer óbvio filho da puta? É triste.

Ensaio olhares matadores sobre o meu reflexo no espelho da casa de banho. Cerro os punhos, ranjo os dentes mas... nada. Na verdade sinto-me a derreter a frio, sinto uma inexplicável incapacidade para rachar o espelho de alto a baixo num gesto de fúria incontida, justificada e, acima de tudo, um gesto de fúria genuína. Sou fraco.

Eu gostava de ser capaz de matar, quereria ser capaz de estropiar, cegar, esventrar e cagar em cima dos cadáveres ainda fumegantes dos meus inimigos. Mas não, nada disto é real, nada disto obedece ao mínimo sentido lógico.

Sou um fraco.

Se não tenho cuidado ainda acabo a oferecer uma outra face a um gajo que me tenha espetado uma faca no fígado.

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