quinta-feira, julho 30, 2015

Filosofia de tasca



Se João Miguel Tavares pudesse vir um bocadinho para dentro da minha cabeça, depressa compreenderia, com total nitidez de contorno, que a sua conversa sobre a realidade ser de direita (ler aqui) é uma refinada tolice. Claro que se fosse eu a viajar para dentro do cérebro de João Miguel Tavares decerto veria o mundo ao contrário daquilo que vejo, cá deste lugar que sou eu.

Poderia argumentar, por exemplo, que optar por estabelecer os opostos numa nova dicotomia, ricos vs. classe média, afirmando que “os verdadeiramente pobres são os que morrem silenciosamente no Mediterrâneo”, é um insulto a milhões de portugueses que não sonham o que seja isso de “classe média” porque são tão pobres como muitos dos que se afogam no Nosso Mar. Sei que o João Miguel Tavares não quer insultar ninguém mas, visto de dentro da minha cabeça, aquela sua dicotomia modernaça é uma coisa sem sentido. Para mim, que vivi a infância em pleno salazarismo, há pobres, ricos e remediados; uma espécie de tradução para a vida quotidiana da distinção entre paraíso, inferno e purgatório que me ensinaram nas sessões de catequese. Depois da revolução entraram novas classificações sociais: os camponeses e os operários ganharam forma, comecei a ouvir falar de luta de classes e a coisa fazia todo o sentido. Fazia sentido naquele tempo e continua a fazer sentido nos dias que agora correm, apesar das toneladas de maquilhagem que lhe atiram para cima da tromba, na tentativa de fazer com que ela (a luta de classes) deixe de ser verdadeira e se assemelhe a uma prostituta barata em fim de carreira.

E depois temos a TINA que, vista daqui, é uma espécie de canga como a que se arriava no cachaço das bestas que haviam de puxar o arado. Agora há tractores e jovens agricultores, já não há carros de bois e alcoólicos analfabetos, mas a vontade de lutar por uma vida melhor não deixa de ser parte da realidade. Agora há pulseiras electrónicas e prisões domiciliárias mas a sede de justiça nem por isso é saciada. Quando me lembro da miséria absoluta que era o meu país há 40 anos percebo como agora vivemos incomparavelmente melhor. Também percebo que, para se ter operado tamanha transformação, foi necessário gritar muito, fazer muita greve, atirar muitas calhoadas à TINA e levar umas quantas bastonadas no toutiço. Nada do que temos hoje nos foi oferecido de mão beijada nem vai durar para sempre. É por essas e por outras que recuso a ideia de que a realidade seja de direita; a direita precisa de ser ajudada a exercer a justiça. É um favor que a esquerda lhe costuma fazer e vice-versa.

Na minha juventude aprendi muitas coisas encostado a balcões de tasca, ouvindo bêbados e todo o género de filósofos analfabetos. Foi na tasca que aprendi que a realidade é o que nós fizermos dela. Nas aulas de Filosofia a coisa ficava muito confusa.


sábado, julho 25, 2015

Percepção

Por vezes penso como terão sido os últimos anos do Império Romano. Qual terá sido a percepção dos seus habitantes relativamente ao desmoronar do mundo em que viviam? Quando se terá instalado a angústia do fim do seu tempo?

A União Europeia, herdeira directa do sonho de uma Europa magnífica sonhada por uns quantos idealistas em meados do século passado, está a transformar-se em merda perante os nossos olhos e, no entanto, a vida decorre pacífica como até aqui. Enquanto a coisa não se desfizer completamente, enquanto o edifício não ruir com estrondo, iremos viver a nossa vida quotidiana como se nada se passasse.

Amanhã comprarei o jornal, o pão, farei o café, viverei o novo dia como se fosse ontem, imaginando que a coisa se manterá, mais ou menos semelhante, ao longo da próxima semana. E depois? Depois... logo se verá. Nada é eterno.

domingo, julho 19, 2015

Arte sem artistas

A sequência de acontecimentos rocambolescos desencadeada pela inauguração das novas instalações no Museu do Chiado dá que pensar. Fica a sensação de que falta bom senso e sobra rigidez de espírito. Tantos doutores, curadores, suas excelências, pessoas tão cultas, tão informadas, a fina flor dos que pensam e organizam o pensamento alheio nos assuntos das artes plásticas, ofereceram, a quem lhes quis prestar atenção, um espectáculo de ópera bufa com argumento muito pobrezinho.

Parece impossível que gente tão embrenhada no trabalho, conhecedora dos mecanismos mais complexos em termos de museologia e exposição de beleza, seja incapaz de encontrar o ponto de equilíbrio necessário à ultrapassagem de conflitos que, assim à primeira vista, parecem ser fruto de coisitas menores, mesquinhas sementes de conflito. Encabeçados por um secretário de estado aparentemente despojado de poder de decisão, hesitante e subserviente, personagem menor num elenco executivo de baixa qualidade, os senhores das artes portuguesas andaram à cotovelada e à canelada à vista de toda a gente.

Da mesma forma que passámos de uma sociedade rural, com 30% de analfabetos em 1970, para uma sociedade ao estilo europeu, com os actuais 5% de analfabetos, saltando da miséria total para um consumismo acéfalo, deslocando os basbaques dos bancos das igrejas para os corredores dos centros comerciais, também no nosso pequeno universo artístico saltámos de um estado de indigência fascistóide para um admirável mundo de novos intelectuais que aprenderam tudo sobre arte mas parecem não saber nada sobre relações humanas ou interesse público. Terão faltado à aula onde foi explicada a relação entre Ética e Estética?

Presidentes disto, directores daquilo, extensas filas de variados doutores, agarrados ao croquete e ao copinho de vinho doce, olham a populaça lá do alto das janelas do palácio onde a beleza é encerrada e curtem a glamourosa vernissage. Muita finesse, muita beautiful people que, no fim do dia, olhou as obras expostas com a mesma elegância com que o boi olha o palácio enquanto rumina a erva do almoço. Muita arte sem artistas.


quarta-feira, julho 08, 2015

Elementos Essenciais da Tragédia Grega

Elementos Essenciais da Tragédia Grega

Hybris - Desmesura. Sentimento que conduz os heróis da tragédia à violação da ordem estabelecida através de uma ação ou comportamento que se assume como um desafio aos poderes instituídos (leis dos deuses, leis da cidade, leis da família, leis da natureza). A hybris ameaça a ordem do cosmos e potencia o caos. O herói trágico não tem consciência dos seus erros.

Pathos - Sofrimento progressivo, do(s) protagonista(s), imposto pelo Destino (Anankêcomo consequência da sua ação.

Ágon - Conflito (a alma da tragédia) que decorre da hybris desencadeada pelo(s) protagonista(s) e que se manifesta na luta contra os que zelam pela ordem estabelecida (a diké, a justiça). É, no fundo, a luta entre o bem e o mal.

Anankê - É o Destino, a inevitabilidade. Encontra-se acima dos próprios deuses que não podem desobedecer-lhe.

Peripécia Acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos que compõem a ação dramática; rumo contrário ao que o desenrolar da ação até então poderia fazer esperar.

Anagnórise (Reconhecimento) -  O reconhecimento pode ser a constatação (compreensão) de acontecimentos acidentais, trágicos, mas, quase sempre, se traduz na identificação de uma nova personagem.

Catástrofe - Desenlace trágico, que deve ser indiciado desde o início, uma vez que resulta do conflito entre a hybris (desmesura, ameaça de desordem) e a anankê (inevitabilidade), conflito que se desenvolve num crescendo de sofrimento (pathos) até ao clímax (ponto culminante).


Katharsis (Catarse) - Purificação das emoções e paixões (idênticas às das personagens), efeito que se pretende da tragédiaatravés do terror (phobose da piedade (eleosque deve provocar nos espectadores

terça-feira, julho 07, 2015

Uns pós de Democracia

Jean-Claude Juncker veio lembrar que a Zona Euro é composta pela democracia grega e outras 18 democracias. Uma espécie de 18+1=19 que permitiu ao presidente da Comissão Europeia fazer pedagogia sobre os problemas económicos que afligem tanta gente por essa Europa fora. Afirmou ainda que acredita na possibilidade de se encontrar uma solução na casa da democracia europeia, em Estrasburgo.

Decerto que, quando estabeleceu acordos secretos com 40 multinacionais, oferecendo-lhes acordos fiscais extraordinários, lixando bem lixados os restantes parceiros europeus, este nosso guardião não reuniu na casa da democracia. Quanto dinheiro das dívidas soberanas andará por aí espalhado em negociatas deste calibre ou arrecadado em off-shores manhosos? O que lucraram os povos de Portugal, da Grécia ou da Irlanda com o endividamento brutal das suas economias?

Olho para aquelas reuniões de ministros na casa da democracia, acompanhados dos seus assessores, conduzidos pelos seus motoristas, alojados em belos hotéis, a manjar em restaurantes de luxo … como podem ser estes gajos a reflectir sobre a melhor forma de acudir aos que têm fome? Temo que estejam mais preocupados em alimentar aquela corte faustosa do que em pensar como se resolvem os problemas dos pobrezinhos.

Dizem-nos que andámos a viver acima das nossas possibilidades e, por isso, contraímos uma dívida que levaremos décadas a pagar. As operações financeiras são tão complexas, tão difíceis de compreender, que a maioria das pessoas não percebe nada. Pagamos mais impostos, trabalhamos mais e temos piores hospitais, piores escolas, piores serviços e os desequilíbrios sociais acentuam-se a olhos vistos. Uma parte considerável do produto do nosso trabalho esvai-se no pagamento da dívida e reverte a favor de quê? A favor de quem? Em que é aplicado o dinheirinho que andamos a pagar tão religiosamente?

Aqui há uns anos atrás falou-se de pós-democracia, um sistema político em que a democracia representativa fica cativa de elites não sujeitas a sufrágio que se representam exclusivamente a si próprias. Depois, a discussão sobre esse admirável mundo novo que andaria a ser construído à nossa volta, esmoreceu e caiu no esquecimento. Olha-se para a paisagem actual da União Europeia e… se não é exactamente isto que se está a passar, não sei o que seja, caraças!


Jean-Claude Juncker deveria ter a hombridade de admitir que Estrasburgo é a casa da pós-democracia europeia. Podemos ser pelintras mas não somos burros!

segunda-feira, julho 06, 2015

Quem é esta coisa?

Estou confuso e desorientado. Os últimos dias têm sido uma vertigem europeia. O continente não consegue entender-se nem consigo nem com os os que tentam chegar-se, vindos do resto do mundo.

A designada "questão grega" vai tornando cada vez mais nítidos os limites do "projecto europeu". Quem vive estes dias na Europa e tenta prestar atenção aos acontecimentos fica com os miolos virados do avesso.

Terão os gregos protagonizado o primeiro e decisivo passo no sentido de colocar todo um continente a mirar-se ao espelho, ao ponto de o fazer repensar a estranha construção sócio-política que vem tentando de há umas décadas a esta parte? Irá a "Europa" fazer-se de cega e ignorar o que se passa à sua volta, permitindo que o periclitante edifício que habita desabe como um castelito de cartas?

Por outro lado, continuam a chegar às costas mediterrânicas milhares de pessoas que fogem à guerra, à fome e à miséria, iludidas por histórias que não sabemos bem quais são mas que as atraem em direcção a esta coisa informe.

A Europa parece não ter respostas à altura das circunstâncias. Nem para uns nem para outros.