segunda-feira, junho 10, 2013

Suspensão

O tema já foi aqui várias vezes abordado. Não é nada de novo mas é algo que me (pre)ocupa a cabeça com uma frequência quase diária.

Trata-se da questão que sempre se coloca quando pretendo terminar um trabalho criativo. Seja qual for a técnica ou a natureza do objecto (seja escrito, pintado, desenhado, falado) como saber se está, de facto, terminado?

A verdade é que nunca nenhum objecto é definitivo. Nem a Mona Lisa, nem a catedral de Notre-Damme, nem Os Lusíadas ou outra coisa qualquer. Pretender que um objecto artístico tem uma forma perfeita é desconhecer a própria essência da Arte (ena, ena, escrevi arte com "A", isto é importante!).

Todo o objecto artístico resulta de uma suspensão (esta ideia já tem barbas brancas e faltam-lhe alguns dentes). O artista pára de trabalhar o objecto (suspende a acção), considerando-o apto a ser observado. Na verdade há sempre mais uma pincelada, uma vírgula que poderia mudar de lugar, uma esquina que poderia ser arredondada. Mas o artista precisa de parar, tem necessidade de suspender os gestos, abrandar a intensidade reflexiva, a cabeça já começa a fumegar...

Volto a esta questão porque hoje, ao pensar sobre isso pela enésima vez, senti um pequeno sobressalto: e se aquilo a que chamo "suspensão" não for mais do que mera desistência? Ai Jesus! Se for assim, então toda a obra de arte resulta da incapacidade do artista para ir mais longe na criação da sua obra. Toda a obra de Arte resulta de uma desistência do artista. Isto soa-me mal, parece-me coisa grave.

Ou talvez não. Talvez seja assim mesmo. Talvez toda a Arte (ou "arte" com "a") seja desistência, talvez seja o reconhecimento da grandeza do acto criativo. Talvez todo o artista seja apenas um ser humano perdido na infinitude das suas capacidades individuais. Ou talvez não... preferia que talvez não...

3 comentários:

rui sousa disse...

Não quero ser chato nem básico, mas se calhar estás a dar demasiada importância à arte ( ou Arte ). E as coisas são como as pessoas, quanto mais as bajulamos mais elas se julgam especiais. Para mim um quadro está acabado quando me canso dele. Ou acabo o quadro ou acabo com o quadro, das duas uma, mas resolvo logo ali o assunto. Não acredito no permanente aperfeiçoamento da obra ao longo do tempo. Tudo tem um tempo e tudo existe apenas num momento: o do encontro. Mesmo que esse aperfeiçoamento fosse possível eu nunca lhe daria ( à arte ) o prazer de o reconhecer. Daí à subserviência e à obsessão é um saltinho. Recuso essa subjugação :-)

the dear Zé disse...

"As cousas são o único sentido oculto das cousas" dizia o Pessoa no seu hálito a bagaço, e reformulava "O único sentido oculto das coisas é que elas não têm nenhum sentido oculto", e pronto ou vice-versa.


Silvares disse...

Rui, tu próprio dizes que te cansas e terminas o quadro.
:-)
Se não te cansasses não terminavas. Um quadro nunca está terminado! Nem mesmo quando o observador dele desfruta. De cada vez que o observador volta ver o quadro pode ver algo novo. É uma história interminável.

Zé, muito bagaço dá nisso.
:-D