sábado, julho 28, 2012

Texto emprestado

Somos estúpidos

Comemoração da queda da bastilha. Qual o principal evento na bela Paris? Desfile militar. Aniversário da independência de qualquer nação que seja. Desfile militar. Aniversário de ditador. Desfile. Qualquer data comemorativa. Desfile. Essa prática ocorre aqui, na Europa, África, Ásia, enfim, no mundo todo. E me chateia. Mais que isso, preocupa. Aqueles tanques todos, monstrengos de aço, servem para uma única coisa: matar. Os soldados que marcham cadenciadamente como robôs sem vida, são treinados a exaustão para um só objetivo. Matar, também. Aqueles aviões fantásticos e rápidos, que sobrevoam barulhentos arrancando exclamações de admiração das crianças. Verdadeiras máquinas de matar. E todo o resto, cada veterano, cada homem ou mulher, que desfilam como salvadores, que passam orgulhosos com seus apetrechos assassinos, olhando fixo para frente, estão simplesmente mostrando a capacidade para tirar vidas. Quanto mais, melhor. Isso é normal?



Devo ser marciano. Não seria mais sensato que um país, em uma data comemorativa, mostrasse seus cientistas? Ou pessoas abnegadas em fazer o bem, em buscar a cura, em ensinar? Que tal se em troca de canhões e metralhadoras, desfilassem professores, médicos, operários? Pessoas que constroem uma nação. Talvez alguns voluntários em serviços sociais, destes que dedicam a vida para o bem estar dos mais necessitados? Imaginem a seguinte cena. No meu aniversário, em troca de convidar os amigos e vizinhos para uns petiscos e bebidas, vou para frente de casa de revólver em punho, meu filho com um facão, e ficamos mostrando nosso poderio destrutivo a todos. Certamente eu seria internado e chamado de maluco. Pois não é isso que fazem? Claro que, infelizmente, os países têm que ter exércitos. Os motivos para isso são inúmeros, entre eles, nossa famosa insensatez. Mas entre ser obrigado a ter capacidade bélica e mostrar isso frente as crianças como fosse algo extraordinário, tem uma distância enorme. E lugar de milico é no quartel. Nem um metro longe dele. Nem um centímetro. Aí está um problema que não terá solução. Nós continuaremos fazendo paradas com máquinas assassinas e milicos desfilando como herois, frente a criançada. Resta lamentar ou ir embora para Marte. Acredito que fazer uma viagem interplanetária, seja mais fácil do que encontrar um pouco de juízo e bom senso em nossos governantes. Eu, marciano, no setembro que vem aí...

Beto Canales do blogue Cinema e Bobagens

Texto publicado com conhecimento e acordo do autor :-) apenas mudei a imagem pois encontrei esta foto com um desfile de camelos.

quarta-feira, julho 25, 2012

Listas inúteis

Nesta época do ano é habitual aparecerem, publicadas um pouco por todo o lado, listas de livros recomendados para as leituras de Verão. Os jornais e as revistas não costumam perder a oportunidade de solicitar a diversas personalidades (umas mais públicas do que outras) que forneçam um rol de títulos que lhes pareçam interessantes.

E as figuras fazem-no, enviam os seus palpites, as suas listas, as mais das vezes inúteis, revelando os autores da sua preferência ou, pelo menos, da preferência de quem elabora a dita lista por elas.

É bom não esquecer que muitas destas figuras, precisamente porque são figuras públicas, não têm  tempo para ler e limitam-se a olhar os bonecos, de preferência bonecos onde apareçam elas próprias, a sorrir um daqueles sorrisos que até hà pouco tempo pareciam impossíveis de tão brancos, tão limpos e certinhos.

Como não sou uma figura pública e decido olimpicamente sobre o que aparece e não aparece neste blogue, resolvi fazer uma lista da minha lavra. Entre livros que li recentemente, o que estou a ler agora e os que gostaria de ler a seguir, aqui fica a dita cuja.

De há uns meses a esta parte, desde que li algures um artigo sobre "A Máquina de Fazer Espanhóis" de Valter Hugo Mãe (outrora valter hugo mãe) decidi-me a ler todos os seus romances. Assim fiz, são apenas 5. 4 deles fazem parte da minha lista, o outro nem por isso. Qual deixaria de fora? Compete-te a ti decidir, caro leitor, decide tu...

Entusiasmado com a excelência da escrita do amigo Hugo Mãe procurei manter o foco naqueles que são designados como "novíssimos" romancistas portugueses e virei-me para Gonçalo M. Tavares. Li "Aprender a rezar na era da técnica" e "Uma Viagem à Índia". O primeiro deixou-me de queixo caído, o segundo desorbitou-me.´Li ainda "Matteo perdeu o emprego" mas uma lâmpada de 100 watts tem dificuldade em impor o seu brilho perante uma fogueira de tal intensidade que se aproxima do incêndio.

Pelo meio tive oportunidade de ler o romance "Pais e filhos" de Ivan Turgenev, um exemplar daquela inacreditável onda literária russa do século XIX que nos deixa a pensar que, ali, não havia ninguém que não soubesse escrever na perfeição. Reli, por engano, "A música do acaso" de Paul Auster, livro muito adequado para qualquer ocasião do ano. Como se relê um livro por engano? Prefiro não responder.

Regressei à literatura lusitana através de "Fados e Desgarrados", um alucinante relato do que foi, não foi ou poderia ter sido a cidade de Lisboa nos distantes anos 80. É um romance do meu amigo (José Xavier) Ezequiel que me ofereceu um exemplar com dedicatória e tudo! Logo após, mais uma vez influenciado por um artigo de jornal, procurei Afonso Cruz e li o excelente "Jesus Cristo bebia cerveja". De momento estou em plena leitura de "Breviário das más inclinações" de José Riço Direitinho, outro dos tais novíssimos. Mais uma vez estou a dar o meu tempo por bem empregue.

Tenho na prateleira, à espera, dois romances de João Tordo que, ao que leio por todo o lado, é outro autor prometedor, inteligente e um narrador de primeira água. Estou aqui para ver!

A lista está quase completa. Falta apenas acrescentar "Os detectives selvagens" de Roberto Bolaño que ainda não tenho por perto. Mas esse fica para mais tarde, para depois das férias, que o livro tem aspecto de ser pesado e volumoso, difícil de transportar para a praia, que é o melhor lugar para não ler nada. Vá lá, quando muito sou capaz de ler o jornal.

segunda-feira, julho 23, 2012

Tolinho

Passou um ano sobre o massacre da ilha de Utoya. Os noruegueses mostraram ao mundo uma comovente capacidade de resistência à desgraça.

Contrariamente ao pretendido por Breivik, o assassino, que afirma ter protegido o país da “invasão muçulmana” e de uma sociedade “multicultural”, "O povo norueguês respondeu abraçando os nossos valores. O assassino falhou, o povo venceu", nas palavras de Stoltenberg, primeiro ministro do país nórdico, em Oslo, durante a cerimónia de homenagem às vítimas dos ataques.

Breivik aguarda o veredicto do tribunal. Ele afirma-se inocente e quer que o seu acto seja considerado como tendo motivações políticas. Por outro lado a acusação defende que Breivik é um refinado tolinho (como pode afirmar-se inocente se não for completamente tótó?) e que deverá ser julgado como tal.

Se for considerado culpado dos crimes a pena máxima é de 21 anos. Caso seja considerado tolinho vai o resto da vida para uma gaveta num hospício.

Oxalá seja fechado num hospício. Por mim fechava-o num quarto vazio com paredes espelhadas para que se visse a si próprio sempre que tivesse os olhos abertos. Talvez assim percebesse que não passa de um refinado tolinho, um demente inútil a quem a única obra que resta é olhar-se nos olhos até ao dia em que se apague e vá ocupar o lugar que lhe compete nas profundezas dos esgotos do inferno.

A prisão é um lugar demasiado confortável para semelhante animal.

Clicar aqui para ver post sobre o mesmo animal publicado a quente em cima das primeiras notícias sobre o massacre.

terça-feira, julho 17, 2012

Ceder espaço

Quando se conduz dentro da cidade há umas quantas regras não escritas que convém guardar e observar a todo o momento. São questões de civilidade, quase cavalheirismo, na medida em que seja possível continuar a imaginar a figura difusa e recalcitrante do Cavalheiro.

Quando estamos a sair de um estacionamento directamente para a estrada e vem uma daquelas filas de carros que parecem materializar-se apenas para nos irritar e atrasar, carros que não estavam ali mas agora parecem brotar do alcatrão como que por magia negra, vamos metendo o nariz (ou o cú) do nosso veículo, ganhando uns centímetros, até que alguém abranda e nos dá passagem.

É de bom tom, quando entramos finalmente no fluxo de trânsito, agradecer com um gesto que tanto pode significar reconhecimento quanto serve para apaziguar a possível fúria do outro condutor por nos estarmos a atravessar à sua frente. O gesto deita água na fervura e não há buzinadelas nem gritos de filho-da-puta, como acontece com tanta frequência, apesar de tudo.

Da parte que me toca faço-o sempre e gosto que, quando sou eu a dar passagem, o outro condutor gesticule da mesma forma. Os homens, invariavelmente, fazem o gesto mas as mulheres... não.

É raro haver uma mulher, uma senhora, que agradeça a cedência de passagem mesmo quando as regras de trânsito não obrigam, como se fosse um direito que lhe assiste pelo simples facto de trazer agarrado ao corpo o sexo que a caracteriza.

Isto irrita-me com alguma profundidade. Prometo a mim próprio que da próxima vez não serei cavalheiro, que porra! Porque carga de água as senhoras não fazem o gesto? Não lhes ensinaram isso na escola de condução? Talvez não, mas estas coisas aprendem-se na vivência do quotidiano.

Ainda agora me aconteceu exactamente isso. Por três vezes seguidas. De todas elas cedi a passagem jurando a mim próprio não voltar a fazê-lo.

sábado, julho 14, 2012

Nas catacumbas

Foi nas catacumbas da cidade, numa carruagem do Metro de Lisboa.

Mendigos são coisa comum, cada um com a sua capacidade que oferece a troco de umas moedinhas, a troco de quase nada.

Uns choramingam auxílio (é essa a sua arte), outros tocam complexas malhas de percussão - bengala a martelar o chão, moedas que chocalham no fundo de uma latinha e inspiradas pancadas da dita bengala nos suportes metálicos que servem para o comum dos mortais agarrar a mão que lhe sustenta o corpo nos abanões da viagem. A variedade é grande, mas há há ainda espaço para a surpresa.

Aquele não parecia real.

Bastava olhá-lo para perceber que havia algo de ficcional na postura e na construção do figurino que tentava justificar a personagem. Tudo nele era limpo e bem arrumado. A pose altiva, o cartaz (PEÇO AJUDA PARA COMER), impecavelmente pendurado no pescoço de uma verticalidade invejável, tudo em perfeita sintonia com uma caixa de papelão acabadinha de construir e ainda vazia de caridade cristã, tudo parecia como que deslocado, uns centímetros ao lado da realidade.

A forma maquinal como se deslocava, parando a espaços certos para exibir a mensagem e a figura, arrancando, em tempos sincopados, para nova deslocação e correspondente paragem, acentuava a impressão de artificialidade de uma personagem estudada e preparada num workshop de representação ministrado por um encenador teatral sem experiência de vida.

Fiquei a pensar que poderia tratar-se de um falso mendigo orientado e encenado por alguém que, tal como ele, não conhecesse bem (nem mal) a verdade da miséria. Alguém que tivesse lido acerca dela sentado numa sala limpinha, com chá, bolinhos e outras coisas boas sobre a mesa. Coisas que ia comendo sem para elas olhar, de tal modo estava fascinado pela leitura e pela descrição da indigência absoluta, leitura prejudicada pela doçura na boca e o desconhecimento absoluto do cheiro a merda misturado com suor.

Aquele mendigo dificilmente poderia ser verdade (talvez por isso, a caixa vazia de caridade alheia). Talvez fosse um actor inexperiente, um estudante do ensino secundário em exercício de personagem a precisar de melhor orientação dramatúrgica.

Ou talvez não fosse nada disso. Talvez fosse apenas um jovem acabadinho de cair em desgraça, a estrear-se nos caminhos tortuosos da miséria urbana, um mendigo em início de carreira.

Os mendigos mais cagados, mais porcos e malcheirosos, decerto tiveram o seu primeiro dia de relativa limpeza.


sexta-feira, julho 13, 2012

Teatro, outra vez

O teatro tem essa coisa estranha de ser um universo inteiro que alberga uma infinidade de mundos diferentes habitados por espécies variadas.

Para acontecer teatro é necessário, apenas, que haja um palco habitado e uma plateia ocupada. Pouco mais é exigido. O palco pode ter muitos actores, cenários majestosos e jogos de luzes deslumbrantes ou pouco mais que muito pouco de tudo aquilo.

Um actor, um bom texto e alguns projectores bem aproveitados, são material mais do que suficiente para construir um espectáculo desde que, na plateia, haja pessoas a assistir.

Vem isto a propósito de "Preocupo-me, logo existo!" em cena no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Neste espectáculo Diogo Infante volta a estar sozinho no palco (apesar de se desdobrar em 8 personagens 8) o que faz dele uma pequena multidão de talentos variados.

O texto de Eric Bogosian é uma espécie de veneno que vai sendo inoculado nos espectadores em pequenas doses através da representação de Diogo Infante. A encenação e o aparato cénico são de uma sobriedade a toda a prova. O actor e o texto dominam a função e o público diverte-se, no mínimo.

Recomendo vivamente. É teatro, outra vez.

quarta-feira, julho 11, 2012

Cinema fotográfico

Vi recentemente o filme "Moonrise Kingdom" de Wes Anderson.

Tal como os outros filmes deste realizador que vi (os outros vi todos em casa, em DVD), trata-se de um estranho objecto cinematográfico.

O argumento não é, à partida, nada de muito espectacular mas a forma como a história se desenrola é muito característica, tem um ritmo hipnótico.

A aparente banalidade de tudo o que se passa no écrã é transformada em algo de extraordinário pelo cuidado extremo com que Anderson cria cada plano que nos oferece num trabalho de fotografia, por vezes, assombroso.

"Moonrise Kingdom" tem um elenco de luxo, mesmo nos mais insignificantes papéis. Este facto ajuda, e muito, a que a qualidade global do filme seja acima de Bom.

Um filme para toda a família (gato, cão e periquito incluídos). A ver com agrado.

segunda-feira, julho 09, 2012

Do artifício da beleza

 João Reis (em 1º plano) interpretando o judeu Shylock

A beleza é mera aparência ou tem de apresentar substância? Pode a forma sobrepor-se em absoluto ao conteúdo?

Estas questões (que sendo duas são, afinal, apenas uma) têm andado a dançar uma valsa complicada na minha cabeça, já que a música que tentam acompanhar é mais um tango com toques de punk rock que coisa melodiosa à boa maneira vienense.

As referidas questões começaram o seu baile destrambelhado no Sábado passado, quando fui assistir à versão de "O Mercador de Veneza" encenada por Ricardo Pais e que tive oportunidade de ver no Teatro Municipal de Almada.

É certo que não sou a personagem mais aconselhável para fazer uma crítica razoável de um espectáculo teatral. Falta-me muita coisa para poder ser eficaz na minha leitura. Mas a minha sensibilidade estética tem uns pózinhos de não-sei-quê e o facto de conhecer um pouco mais ou menos a peça de Shakespeare (mais pra menos que pra um pouco mais) permite-me esta atitude algo temerária de afirmar que o encenador quis fazer uma coisa e saiu-lhe outra.

Pretensiosismo meu, decerto e sem sombra para dúvida razoável, mas está dito, está dito! Que se lixe.

Ninguém me encomendou o sermão e não pretendo qualificar o trabalho de ninguém com estas linhas, quero apenas deixar aqui uma reflexão que me continua a dançar nas curvas da mioleira, dois dias após ter assistido à referida função. Estou a ver se me livro desta coisa para poder pensar noutras que irão igualmente deixar-me a nadar em dúvidas, como um pato de borracha amarelinha que nada flutuante no banho perfumado de um bebé.

Ricardo Pais dividiu a peça em duas partes bem distintas. As desventuras de Shylock, o célebre judeu que pretendia tirar um bife do peito manso do cristão António por juros vencidos de uma dívida por pagar, amontoam-se na 1ª parte desta versão. É o sumo da peça que se bebe todinho ali, no espaço de uma hora, mais coisa menos coisa.

A 2ª parte, apesar de mais curta, pretende, tanto quanto me foi dado entender, mostrar a beleza dos episódios que se debruçam sobre a paixão e o amor, numa exibição pouco conseguida de pretensa beleza visual e de texto melodioso,

Nem os actores a quem foi distribuída a função tiveram peito para elevar as intenções do encenador, nem a acumulação de situações melífluas resultou em nada mais que uma valente seca. Tanta beleza compactada acaba por chatear.

Fiquei a matutar sobre a possibilidade de a coisa mais bela do texto de Shakespeare ser a horrível maldade de Shylock e o seu discurso arrasador quando compara os judeus à restante humanidade. Os artifícios do amor, apesar da graciosidade feminina e das palavrinhas almofadadas, apesar dos jogos de luzes e da musiquinha em fundo, lamento dizê-lo, não resultaram feios: resultaram horríveis.

sexta-feira, julho 06, 2012

Fábula inquietante

O quotidiano é como o barro e quem o molda é a nossa mente, feita escultora acidental, a improvisar gestos e truques de última hora que lhe permitam fazer da massa informe alguma coisa que se apresente.

Talvez a metáfora não seja a melhor, foi o que saiu, até porque, quando andei na Escola de Belas Artes, escultura foi uma das minhas muitas desgraças. Por muito que me esforçasse (e esforçava-me pouco) o barro, nas minhas mãos, ganhava sempre contornos de cagalhão.

Mas não foi com o propósito de divagar sobre os meus trabalhos falhados em escultura que abri este post. Longe disso. Vinha aquela introdução a reboque de um pensamento que não me sai da cabeça por muito que a abane ou vá dando palmadas numa têmpora, enquanto inclino o pescoço sobre o ombro contrário.

É um mau pensamento, por isso quero deitá-lo fora. Mas ele não vai, não sai, teima em guardar-se dentro de mim, a infectar-me o optimismo, a fazer-me azedo e desconfiado. Dou por mim a pensar que a nossa sociedade democrática é a confirmação da abjecta visão exposta por George Orwell em "Animal Farm", o livro que, na edição portuguesa, ficou conhecido como "O Triunfo dos Porcos".

Na fábula de Orwell , após a derrota e expulsão dos opressores humanos da célebre quinta, foi escrita na parede exterior do celeiro a frase "os animais são todos iguais". Assim se celebrava a vitória revolucionária da razão sobre a tirania.

Mas, com o decorrer do processo revolucionário, os porcos começaram a subverter os princípios da luta comum de todos os animais e foram dominando o poder. Subitamente, a frase foi corrigida. Alguém acrescentou "mas uns são mais iguais que os outros". Os porcos haviam ocupado o lugar dos tiranos humanos.

É nisto que consiste o mau pensamento que não consigo erradicar. Penso que os porcos nos governam e que os animais, longe de serem todos iguais, estão cada vez mais diferentes uns dos outros. E que a nossa sociedade se torna cada vez mais e fatalmente uma tremenda porcaria.

Chafurdamos nós na merda?

quarta-feira, julho 04, 2012

Um parlapatão


A meu ver, o curso instantâneo do ministro Relvas em Ciência Política até se justifica (ver aqui) e não percebo o espanto nem a indignação que está a provocar. Basta olhar o seu percurso na vida partidária: dirigente da Jota, jovem deputado, elemento influente na máquina do partido, que mais se pode exigir a alguém que pretende ser cientista político?

Já a mediocridade constante de Relvas enquanto estudante, incapaz de conseguir classificações acima do 11 ou do 12, fosse no secundário ou no ensino superior, a justificação é evidente e só um cego não consegue ver. Como pode um cidadão ser cientista político num partido tão complicado como o PSD e, em simultâneo, conseguir resultados académicos a um nível suficiente? Mesmo o Super-Homem iria ter dificuldades, quanto mais Miguel Relvas, reconhecidamente um cidadão do mais comum que podemos encontrar.

Acho bem que o governo acabe com a mama dos oportunistas que pretendem fazer o ensino básico em apenas um ano à sombra do programa das Novas Oportunidades. Era o que mais faltava! Querem um diploma do 9º ano? Suem, estudem e trabalhem para isso que a coisa não se consegue num ano apenas!

Miguel Relvas tem demonstrado, na prática, que o seu grau académico é mais do que merecido, independentemente da forma como foi obtido. O homem é um portento na manipulação de informação e um governante assustador, qualidades que mais do que justificam o grau de licenciado em ciência política (ver exemplo das suas habilidades aqui). 

Na minha humilde opinião, observando a forma como Relvas tem arrumado com toda a limpeza as situações problemáticas em que se tem visto envolvido (ver aqui e aqui), deveria ser-lhe atribuído um doutoramento, quanto mais não fosse, Honoris Causa. Só assim poderia fazer-se justiça a sua excelência e à sua honra.

segunda-feira, julho 02, 2012

Dúvida súbita

Tinham aquele ar de jovialidade e energia positiva que dá uma expressão meio atolambada aos corpos com aparência de serem adultos. Traziam afivelada nas beiças uma coisa que, não sendo propriamente um sorriso, é mais um esgar que permite imaginar uma vaga possibilidade de alegria. Uma alegria contida.

Na verdade e lá no fundo, ninguém queria estar ali. Dentro das suas cabeças, todos estão algures, lá fora, longe daquele lugar enfadonho. Eu, como eles, mas sem sorriso, porque sou o gajo foleiro que está a reparar nos outros.

Talvez lhes inveje o esgar apatetado, talvez eles desconfiem deste tipo, aqui, sentado a um canto, a olhar em volta com cara de quem tem alguma coisa a haver deste mundo que se recusa a pagar-lhe a dívida e a escrever furiosamente sobre um caderno quadriculado com um marcador preto de ponta demasiado larga para escrever.

O relógio vai marcando a passagem do tempo. Da parte que me toca não quero oferecer nem perder um minuto que seja daquilo que sei ser o meu dever de trabalhador contratado. É uma ética profissional ajustada ao minuto, afinada ao segundo. Em questões de pontualidade acredito no mito britânico.

Fico a pensar se a Ética, sendo um Valor universal, pode depender assim do tempo de trabalho, do lugar onde me encontro ou se esses factores espaço-temporais são irrelevantes. Penso se não será eticamente reprovável eu estar aqui sentado, a ouvir AC/DC tão alto nos auscultadores que do exterior não me chega nenhum som, enquanto vou escrevendo palavra atrás de palavra como se não houvesse amanhã.

Os outros lá continuam com os seus sorrisos de meninos. Parecem felizes mas, talvez porque não ouço patavina do que dizem, vejo-os impacientes e ansiosos por sair dali para fora. Talvez estejam a dizer coisas engraçadas, pela sua linguagem corporal, não apostaria nisso nem um cêntimo.

Chego ao fim da página. Está na hora. De súbito surge-me a dúvida: estarão eles a pensar que sou um pateta, de ar atolambado, com uns auscultadores enfiados nos ouvidos como facas sonoras, armado em esperto, a escrever só para me armar ao pingarelho? Era bem feito que pensassem assim.