domingo, outubro 30, 2011

E a Islândia, pá?

Andamos para aqui todos às marradas nas notícias sobre a crise do euro, procupados com a dívida, a pagar juros pornográficos aos amigos que nos emprestam dinheiro, andamos tão aflitos que nem temos reparado que as notícias sobre a Islândia são mais raras que gajos honestos numa secretaria de estado.

Basta fazer uma pesquisa no google sobre notícias escritas em português que tenham a Islândia por tema nos tempos mais recentes. Coisa rara. Ficamos a saber que uma islandesa mijou em público (até tem direito a vídeo) e pouco mais, além de uma balelas sobre desporto. Notícias relevantes sobre a evolução da situação económica daquele país parecem não existir.

As agências noticiosas não se interessam por esse tema? Seja lá o que for, a Islândia parece ter sido tragada pelo mar, parece ter deixado de existir. Há aqui qualquer coisa de incomodativo ou então sou eu que sou preguiçoso demais para encontrar notícias específicas sobre a crise islandesa.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Como se fosse um periquito (só para dar um exemplo emplumado)

Leio no jornal que Madoff (sim, esse Madoff, haverá outro?) diz que é mais feliz na prisão. O exemplo fica mais claro com a transcrição da coisa: " Bernard Madoff, responsável por uma fraude que superou os 50 mil milhões de dólares, afirma que é mais feliz na prisão do que quando estava livre, porque não vive no receio permanente de ser preso. À jornalista Barbara Walters, Madoff confessou que chegou a pensar em sucicídio, mas recuperou a coragem e abandonou a ideia". Diz lá tu, caríssimo leitor, se não é isto uma coisa bonita!? Bonita de se dizer mas, mais linda ainda, bonita de se poder pensar. É ou não é?

Ler este excertozinho deixou-me próximo de um nirvana qualquer, nem sei bem qual (há diferentes nirvanas? O que é "O" nirvana?), comoveu-me mesmo. E comoveu-me porque as palavras de Madoff me permitiram compreender melhor uns seres que, até aqui, me estavam interditos em termos de compreensão. Para nos podermos sentir mais próximos de um animal nada melhor que outro animal que nos permita encetar essa extraordinária tentativa de aproximação entre espécies. Penso que agora compreendo melhor a passarada que, estando fechada na gaiola, salta, dança e ainda canta ou simplesmente chilreia alegremente, enchendo-me a imaginação de coisinhas indecifráveis mas quase boas e quase, quase bonitas.

Madoff explica-nos, na singeleza do seu pensamento retorcido, como é ser-se um bípede saltitante dentro do espaço reduzido de uma gaiola. Mas sentimos como é sê-lo alegremente, à semelhança de qualquer periquito que, apesar de ser difícil de compreender através da observação directa da sua fisionomia, nos parece um passarito suficientemente feliz e coiso e tal.

Sinto-me apaziguado. Meter bichos dentro de gaiolas não é, afinal de contas, uma atitude tão cruel quanto eu pensava.

terça-feira, outubro 25, 2011

O horror

Aconteceu-me aqui há dias, estava eu sozinho no remanso do lar. Abri o frigorífico e deparei com um inesperado "pack" de 6 cervejas que me pareceram cervejas pretas. Tirei uma garrafa, abri-a e bebi um golo. Horror!!! Sabia mal como nunca uma cerveja me havia antes sabido. Que porcaria era aquela!? Decerto estava estragada. Ainda meio confuso abri de novo a porta do frigorífico e reparei que o cartão do "pack" tinha algo de estranho. Era um "pack" de 6 cervejas 6 com sabor a ... CHOCOLATE!!!

Uma vez refeito do susto tentei racionalizar a coisa. Cerveja com sabor a chocolate? Mas que puta de ideia! Depois lembrei-me de uma notícia que havia lido há uns anos no jornal sobre tentativas feitas por... cientistas? Inventores? Simplesmente malucos? Bom, experiências levadas a cabo, algures (não recordo onde), para produção de legumes com sabor a chocolate. A questão era simples: as crianças não gostam de legumes, que lhes fazem falta para uma alimentação saudável, mas adoram chocolate. Basta juntar dois mais dois e tem-se uma coisa para lá de aberrante: legumes com sabor a chocolate.

Não me consta que os tais legumes tenham saído do mundo das possibilidades. O que não imaginava era que a doçura tinha invadido o território sagrado da bela cerveja. Qual poderá ser a intenção?

Os putos de hoje pouca água bebem. É só sumos e açúcar em tudo quanto é alimento. Vendo bem as coisas até faz sentido que os produtores de cerveja não queiram perder clientes e se metam a inventar merdas destas. Assim, ao entrarem numa coisa parecida com a idade adulta, os jovens consumidores poderão iniciar-se no mundo alucinogénico da bebedeira mas com a boquinha adoçada e um vómito mais cheirosinho.

Enfim... o "pack" lá está no frigorífico (foi oferta e eu não sabia) com 5 garrafas 5 à espera de quem as beba. A que experimentei despejei-a cano abaixo. Gosto muito de chcolate mas também gosto muito de cerveja. Acho que, por isso mesmo, fui incapaz de a beber. Mas talvez seja, apenas, má vontade da minha parte.

domingo, outubro 23, 2011

Não ver

Consegui não ver as imagens do assassinato do tirano líbio.

Kadafi apareceu algumas vezes aqui, no 100 Cabeças, principalmente na sua qualidade de amigo dos líderes mundiais. Eram fotos glamourosas que mostravam um homem bem vestido e arrogante abraçado ou apertando a mão dos poderosos das democracias ocidentais. Nalgumas atestava-lhes, até, umas beijocas!

A forma como caíu em desgraça e acabou, abatido como um rato de esgoto, mostram bem a fragilidade da condição política no mundo em que vivemos. Hoje és um gajo poderoso, amanhã és um cadáver sujo de sangue e de merda. Hoje vales tudo o que imaginas e, se calhar, até um pouco mais, amanhã não vales mesmo nada. É a vida... e a morte.

Não sei bem como aconteceu mas li algures que as imagens da morte de Kadafi eram indecorosas. Acreditei e não vi, muito menos as procurei. Não quero vê-las, não quero saber, a exibição da morte enoja-me. Enojaram-me as imagnes das execuções de Saddam Hussein e de Ceausescu, certamente iria acontecer o mesmo com Kadafi. Morreu, está morto. Espero que o enterrem.

Não deixa de ser irónico que Kadafi e Saddam tenham sido ambos apanhados enfiados em buracos, como bichos.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Sociedade criativa

Nos últimos tempos tenho lido vários artigos que depositam todas as esperanças de um futuro melhor naquilo que é, mais ou menos, genericamente designado por "sociedade da criatividade". Num desses artigos o autor explanava uma interessante teoria segundo a qual após uma sociedade agrícola que foi suplantada pela sociedade industrial que viria a ser ultrapassada pela sociedade do conhecimento estamos agora a assistir à deslumbrante aurora da sociedade criativa. É bonito.

Esta proposição faz todo o sentido. A sucessão de acontecimentos encaixa melhor que as peças de um puzzle para meninos pequenos e o resultado é de um brilho cristalino. Imaginar uma sociedade da criatividade na qual o sucesso está ao alcance de qualquer um (que benificie dos sucessos da outras sociedades entretanto ultrapassadas e tenha acesso ao consumo de bens agrícolas, industriais e tecnológicos), imaginar uma sociedade deste tipo dá algum conforto nos tempos que correm.

Para uma pessoa como eu, que me imagino criativo, um cenário deste tipo proporciona um certo alento. O problema é como rentabilizar a minha criatividade? Aí é que as coisas começam a retorcer-se um bocadinho; é que a criatividade, encarada por esta perspectiva, é coisa para gerar riqueza e, nesse aspecto, sinto-me um tanto falhado.

Quero dizer, penso que a criatividade pode gerar muitos tipos diferentes de riqueza que não são, obrigatoriamente, do tipo monetário ou económico. A beleza, a solidariedade, a felicidade, as coisas que me comovem, nem sempre valem dinheiro. Vendo bem as coisas, raramente valem dinheiro e, quase sempre, exigem muito trabalho.

Lamento dizê-lo a mim próprio (e a ti, caro leitor, que tens a paciência de ainda aqui estar): a criativade é um bicho do mato que não aceita a gaiola onde a queremos meter para poder gerar proveito económico, como se fosse animal de circo. Isto necessita de mais reflexão. Quem sabe onde poderemos chegar? Se formos criativos...

domingo, outubro 16, 2011

Semente

Ontem foi dia de manifestação em Lisboa. Seria banal (quantas manifestações já se fizeram em Lisboa, meu Deus?) se não tivesse sido dia de manifestação em mais umas quantas centenas de cidades por esse mundo fora. Talvez me engane mas penso poder afirmar que assistimos à primeira manifestação global na sociedade da informação. E do consumo.

O que levou tantos milhares de pessoas (todas juntas terão atingido os milhões?) a sairem para a rua gritando palavras de ordem tão diferentes umas das outras, numa verdadeira Torre de Babel de sentimentos e reivindicações? Na Ásia, na América, na Europa, um pouco por todo o universo democrático, os cidadãos revoltam-se contra a gula insaciável do capitalismo selvagem.

Penso que o que está a despertar no íntimo de cada um de nós é a percepção de um paradoxo destruidor de boas vontades: dizem-nos que somos livres e tratam-nos como escravos.

O que irá sair daqui? Não sabemos. Quem pode prever o futuro? Ninguém. O que podemos perceber com algum grau de segurança é que está lançada a semente de alguma coisa nova que irá crescer e tomar o seu lugar no horizonte dentro de algum tempo.

É uma semente de revolta (chamam-lhe "indignação") que questiona o sistema pós-democrático com frontalidade. Já todos percebemos que não somos governados por aqueles que elegemos por sufrágio universal e directo, mas sim por personagens que desconhecemos em absoluto que decidem as políticas macro-económicas em nome do enriquecimento faraónico de nem sabemos quem!

Alguma coisa está a mudar.

sexta-feira, outubro 14, 2011

Sangrar não basta!

OK, isto anda parecido com merda a boiar num penico. Portugal, a União Europeia, o horizonte, nada parece ajustar-se, tudo surge apocalíptico e desanimador. O desânimo ganha lugar na sala e senta-se sem que ninguém o convide. Puta que o pariu, puta que pariu o desânimo!

O mundo parece desfazer-se numa espécie de merda que não é bem merda mas uma coisa parecida. Uma coisa parecida com merda, está bom de ver. Entretanto fui ver o mais recente filme de João Canijo, Sangue do meu sangue e, caramba! Que grande filme.

Se há um cinema português este filme é o melhor exemplo que poderia encontrar para o caracterizar. Não explico porquê, afirmo-o apenas e simplesmente. As conclusões ficarão para quem tiver oportunidade de o ver. Direi apenas que sangrar não basta; temos ainda de viver o que resta das nossas existências. Com o orgulho do costume e a Fé que nunca somos capazes de ter mas, ainda assim, nos anima na dose certa para continuarmos a olhar o céu como se ele não fosse mais que aquela coisa azul que costumamos imaginar estar lá em cima, o lugar que Deus habita.

Haja lugar para sermos humanos.

terça-feira, outubro 11, 2011

Linguagem figurada

A democracia portuguesa parece estar doente. Pensando bem, a democracia portuguesa parece sofrer de alguma doença congénita, uma malformação que lhe tem impedido um desenvolvimento saudável. Para funcionar convenientemente, uma democracia carece não só de liberdade de escolha e de opinião, mas também de instrumentos que fiscalizem de forma objectiva e isenta as instituições democráticas. É nesta capacidade de fiscalização que a nossa democracia falha completamente desde a mais tenra idade.

O sistema democrático baseia-se grandemente na qualidade dos cidadãos e na confiança que estes estabelecem com as suas instituições. No caso do nosso pais toda a gente sabe que não se pode confiar no estado nem nos tribunais e, muitas vezes, nem sequer se pode confiar nas forças policiais, mesmo nas situações mais comezinhas do quotidiano. Os cidadãos vivem em permanente confronto com instituições cuja principal razão de existência seria a sua protecção e não a sua repressão, como frequentemente acontece.

Quando digo “cidadãos” excluo as minorias privilegiadas que erradamente designamos, com demasiada frequência, por “elites”, uma vez que o conceito de elite está relacionado com aquilo que de melhor existe numa sociedade e não com a capacidade de contornar as leis e as regras em proveito próprio. Vivemos num pais que se diz democrático e que, na prática, se comporta como se o não fosse. Tal como uma grande parte dos católicos se dizem “não praticantes”, assim somos nós, os portugueses, no que toca à democracia.

Temos uma sociedade civil fraca e que facilmente é “metida na ordem”. Basta agitar um qualquer papão mais ou menos assustador e aqueles que ontem se manifestavam e agitavam as ruas da cidade de imediato se perfilam, lavadinhos e brilhantes, perante o olhar benevolamente reprovador do chefe ao passar em revista as forças produtivas da nação. Somos assim, ladramos demasiado, mordemos muito pouco e acabamos quase sempre a lamber as botas que nos pontapeiam com desprezo.

E somos governados por personagens sem fulgor nem a mínima centelha do mais pequeno génio. Algumas dessas personagens são mesmo desonestas e nós aceitamo-las e oferecemos-lhes o poder de mão beijada. Somos governados com demasiada frequência por pessoas ignorantes e incultas, com uma visão do mundo própria de crianças acabadinhas de sair de uma aula de catequese na qual lhes explicaram o inferno e as fizeram nele piamente acreditar. E agora não são capazes de acreditar nem compreender mais nada. São pequeninos.

Uma democracia exige governantes humanistas e não simples tecnocratas de pacotilha para os quais “ser humano” é igual a “doismaisdoissãoquatro”. Após 37 anos de democracia alguns de nós ainda dizem que se trata de uma jovem democracia. Quando se tornará ela adulta a ponto de se emancipar dos fantasmas do salazarismo e do PREC? Somos como uma multidão de cegos guiada por um pequeno grupo de líderes cujas barrigas não lhes permitem ver onde poisam os sapatinhos.

sábado, outubro 08, 2011

62





62

Enriquecer ainda mais é um risco para todos
os ricos (como uma epidemia),
e tal só não ameaça também os pobres porque
acerca destes não é adequado utilizar a expressão
«ainda mais». E os pobres

63

sendo como toda a gente sabe,
moralmente muito mais bem apetrechados
que os milionários, não querem enriquecer ainda mais,
querem apenas enriquecer a todo o custo,
pisando quem quer que passe
à sua frente. Os pobres não são bons, murmurava o meu
                                                                           [pai
têm é menos dinheiro para exercer a maldade.

in Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares, págs. 139/140

sexta-feira, outubro 07, 2011

Reflexo cão (ou "reflexão")

Por vezes olho para o espelho e digo ao gajo que de lá me retribui a atenção: "És fodido!" e o gajo nem diz nada. Quem assim fala consigo próprio, o máximo que merece é um pouco menos que desprezo, muito menos compaixão.

Na verdade, seja lá isso o que for, cada um de nós recebe de si próprio a medida exacta daquilo que a si oferece. Nem outra coisa seria de esperar!  Haverá alguém mais capaz de nos compreender que o reflexo no espelho?

domingo, outubro 02, 2011

O Futuro

O Futuro é uma coisa mais ou menos misteriosa por estarmos sempre a viver no Presente. Há quem diga que o Futuro depende do Passado mas, estou em crer, isso não é bem assim e talvez até seja ao contrário. Talvez o Passado dependa mais do Futuro que vice-versa.

Isto porque são os vencedores que governam o Futuro aqueles que determinam a melhor forma de explicar o Passado que os conduziu até ao poder que agora ostentam e utilizam como se fosse um objecto de luxo rebrilhante.

Diz o povo que "o Futuro a Deus pertence" mas nós, que vivemos o Futuro entretanto transformado, primeiro em Presente e logo depois em Passado, sabemos bem a quem pertence  o quê e percebemos que a sabedoria popular por alguma razão o é e quanto fica a dever, em perspectiva e exactidão, à outra sabedoria, aquela que vem impressa em letra de imprensa e faz escola.

Deus não é para aqui chamado por ser coisa encerrada em doutrinas que O não deixam sair de onde está e que acaba quase sempre por ser algo que poucos acreditam que Ele possa ser. O Futuro é coisa que parece estar fora do Seu divino alcance, enquanto Ele for aquilo que dizem que Ele é e não aquilo que Ele é, lá na Sua inalcançável realidade metafísica. Acredito que lá, onde Deus vive, não há Passado, nem Presente, nem, por maioria de razão, há Futuro nenhum e nem isso Lhe interessa.

O Futuro é uma coisa complexa, imprevisível, caprichosa como uma tempestade tropical ou uma menina mimada. Talvez a coisa mais parecida com o Futuro seja Deus. Sentado no Seu trono, lá naquele lugar onde mais ou menos existe. Sem Passado, nem Presente, nem, por maioria de razão, a mínima sombra de Futuro.

Neste passo o leitor, já algo aborrecido com os tropeções da lógica ao longo deste pequeno texto, dirá: então o Futuro existe num local onde não há Futuro? Eu respondo: Precisamente!