domingo, janeiro 30, 2011

Os dias passam, continuam a passar. Terminei a leitura de um livro e comecei a de outro. Vi filmes que nunca vira. Visitei uma exposição. Tenho feito coisas. E não sinto o impulso de falar delas aqui, no 100 Cabeças. O que se passa? Não sei bem, embora ande a pensar nisso.

terça-feira, janeiro 25, 2011

Espelho meu


Havemos de conseguir ultrapassar a nossa condição de macacos especiais. Macacos que falam e riem e dançam e que conseguem imaginar-se diferentes daquilo que na realidade somos: simples macacos complicados.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Tunísia


Imolem-se, berrem, barafustem e mandem o ditador às urtigas mas, por favor, façam a vossa revolução durante a época baixa. Obrigado.

domingo, janeiro 16, 2011

O medo



“O vírus da gripe A é o predominante em Portugal, tendo sido identificado em 63 por cento dos casos analisados no âmbito da vigilância epidemiológica da síndrome gripal do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.” Esta notícia recente passou despercebida, quase uma nota de rodapé. Ninguém se sobressaltou nem houve alarme social. Está tudo tranquilo.

O ano passado por esta altura uma notícia deste género seria capa de todos os jornais diários e haveria profecias desgraçadas na abertura de cada serviço noticioso nos 3 canais de televisão em sinal aberto. Nesses dias longos artigos vasculhavam o medo colectivo e lançavam o pânico entre a população. O ano passado assistimos e vivemos uma das maiores campanhas mediáticas jamais lançadas na aldeola global, promovendo não uma vedeta pop ou um novo gadget tecnológico mas um vírus tão terrível que estava aí para nos fazer pagar os mais negros dos nossos pecados.

Porque estamos agora tão indiferentes ao dito vírus? Estaremos vacinados contra o medo? Não. Não estamos vacinados contra o medo, longe disso. As capas dos jornais e o serviços noticiosos na TV apenas mudaram a face do objecto que nos inquieta e nos tira o sono. Agora é a crise económica ou o juro da dívida pública. As pessoas sobressaltam-se, o alarme social berra, esganiçado e estridente, o mundo parece rodar ao contrário. Quem nos vale? Quem nos salva?

A comunicação social deixa-se levar (ou tem algum interesse?) nestes mind games em grande escala e transforma-se mais em veículo da paranóia do que em algo que a combata. A comunicação social alimenta o medo e o medo alimenta-se de nós todos, come-nos a vontade e o entusiasmo. Andamos perdidos, como baratas tontas.

O medo é a forma mais eficaz de tolher a liberdade. Uma sociedade amedrontada fica à mercê de homens providenciais e aceita a imposição de leis excepcionais que, de outra forma, recusaria com veemência. O medo faz de nós carneiros e nós, em vez de fazermos ouvir a nossa voz, limitamo-nos a balir. Somos animais para abate, seres vivos descartáveis. Os corpos, quando deixam de ser animados por sonhos, não valem nada. A nossa sociedade precisa de sonhos. Basta de ter medo.

carta enviada ao director do jornal Público

sábado, janeiro 15, 2011

Dúvida existencial


Quando compro um bilhete de teatro, o que estou eu a pagar para além daquele pedaço de papel? Que troca acabo de efectuar? É um mistério dentro da minha cabeça. Um mistério irresolúvel, confesso, uma coisa que imagino próxima do que é uma experiência mística. Mais logo talvez encontre alguma coisa parecida com uma resposta a esta dúvida que nunca antes tinha colocado nas prateleiras do meu pensamento embora sempre lá tenha estado mas mal arrumada.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Caveiras

A caveirinha


Na minha adolescência utilizávamos uma expressão que já esquecera e recordei hoje, a propósito de mais uma notícia sobre o trabalho artístico de Damien Hirst. A expressão era "o mais caveira" para designar alguém digno de admiração, alguém que se mostrava capaz de causar espanto fosse pelas suas atitudes, fosse pela sua capacidade de expressar ideias; "aquele gajo é o mais caveira, caraças!"

Hirst parece querer ser o mais caveira no mercado da arte. Depois da sua célebre obra "For the Love of God", uma caveirona em platina, coberta por 8 601 diamantes de 1 106 16 quilates (não percebo bem o significado destes números) a mais cara obra de arte portátil de todos os tempos, volta ao ataque com uma caveirinha revestida com 7 105 diamantes rosa e 1 023 diamantes brancos com o título "For Heaven's Sake". Hirst citando-se a si próprio, como é bom de ver.

Estas caveiras valem balúrdios, somas incalculáveis, algo que, no mercado da arte, pode muito bem acontecer. Mas, no caso das caveiras de Hirst, o valor é mais objectivo que noutros casos. Um urinol que vale milhões não entra na cabeça de ninguém; caveiras incrustadas com diamantes são imediatamente compreendidas. Assim não custa perceber o valor de uma obra de arte.

Como seria de esperar, esta caveirinha de bébé, lá causou alguma polémica. Algumas pessoas sentiram-se ofendidas com o brilhante objecto, principalmente pessoas que perderam filhos e não engolem o gesto artístico de Hirst. Este género de reacções nunca deixa de me surpreender. Há sempre alguém pronto a desatinar  seja qual for a razão ou a situação, há sempre alguém com um protesto à porta da boca. Hirst talvez agradeça ou simplesmente ignore tais protestos. Afinal de contas ele é o mais caveira!

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Um ano depois


A notícia não é surpreendente: "Um ano depois do terramoto, Port-au-Prince é uma cidade em ruínas" (ler aqui). Lembras-te, benevolente leitor, como o teu coração saltou apressado, faz agora um ano completo? Quando viste imagens tenebrosas de uma cidade caída sobre si própria com milhares de pessoas fechadas lá dentro? Durante alguns dias daquele mês de Janeiro não se falou de outra coisa.

A comunidade internacional, condoída da condição miserável do povo haitiano, jurou solidariedade, prometeu ajuda, mobilizou fundos e começou a obra de reconstrução do país. Durante algum tempo o Haiti entrou-nos pela casa dentro através da janela mágica da televisão e nós, cidadãos do mundo global, sentimos angústia e preocupámo-nos com aquele inferno revelado.

Depois... bom, depois o mundo, como é costume, continuou a rodar. Devagarinho, como só os planetas sabem fazer. Outras catástrofes aconteceram (não me lembro quais), novos acontecimentos mais ou menos espantosos ocuparam a paisagem da janela mágica, e o Haiti foi caindo para dentro de si próprio, esquecido e novamente abandonado à sua sorte. Triste sorte de país miserável e impossível.

O mundo global é assim mesmo: autofágico. Alimenta-se  principalmente das suas desgraças e, de vez em quando, lá come um ou outro acontecimento feliz à sobremesa. O consumo mediático é de tal forma voraz que não há desgraça suficentemente grande para resistir a mais que uma mão-cheia de dias  nos cabeçalhos dos jornais.

As desgraças alheias chocam-nos por momentos mas logo as esquecemos para nos ocuparmos com outras coisas mais preocupantes, as coisas mesquinhas do nosso quotidiano delirante. Mais do que a reconstrução do Haiti hoje preocupei-me com a necessidade absoluta e urgente de cortar o cabelo.

E fui ao barbeiro.
Ali, na cadeira almofadada, as questóes a abordar foram outras. Tu sabes, leitor, como são as conversas no barbeiro. Duram o tempo de um corte de cabelo e são moles, sem pingo de interesse, nem têm o glamour horripilante de uma boa notícia sobre uma catástrofe violenta. Conversas de merda, apenas e mais nada.

Quando saí para a rua recebi a benção do solzinho de inverno a bater-me na minha nuca destapada. Senti-me muito, mas mesmo muito, melhor.

domingo, janeiro 09, 2011

Ser Humano


Tentamos provar a nós próprios que não existe aquilo a que vulgarmente se chama "choque de civilizações". Esforçamo-nos por imaginar que as diferenças culturais profundas entre o Ocidente, democrático e capitalista, e o Islão, fundamentalista religioso e entregue aos caprichos de Alá, não são como feridas em putrefacção, antes se assemelham a cicratizes mais ou menos limpas de infecção. Não é fácil acreditar numa coisa destas.

O desconhecimento da realidade longínqua é quase tão grande como o da realidade que nos é próxima e familiar. Por muito que nos esforcemos na tentativa de encarar a diferença como algo normal, há coisas que nos fazem saltar as tripas para junto do coração. A notícia de uma manifestação a favor da manutenção da pena de morte por blasfémia, realizada no Paquistão (ler aqui), atinge-me como um soco no focinho.

Lendo bem a notícia vemos que foram apenas 20 mil os manifestantes, número que é uma ninharia até num país pequeno como é Portugal. Fazemos a toda a hora manifestações muito maiores. O que me choca não é o número mas o motivo. E penso "que se lixem!". Se é o que querem têm o direito de o ter. Ou não?

São coisas como esta que mostram como é impossível manter aquilo que designamos por Direitos Humanos. São coisas como esta que me mostram com clareza que "Ser Humano" é um conceito e não uma condição universal a todos os que, como eu, pertencem a esta espécie animal. Valerá a pena fazer guerras por causas deste género?

quarta-feira, janeiro 05, 2011

O dia em que choveram pássaros

 Um tordo-sargento chovido do céu

Em algumas localidades dos EUA o ano novo entrou de rompante, agitando a cortina de tule que cobre o nosso mundo com aquele aspecto que chamamos "realidade". Nesse dia (nessa noite) choveram pássaros.

O fenómeno de animais que chovem sobre nós não é novo e existem relatos variados com explicações que vão do sobrenatural à ciência mas que, sejam elas quais forem, não evitam o nosso espanto nem a maravilha absoluta.

Chuva de ratos, de rãs, de serpentes, de peixes ou, como terá acontecido no Brasil em 1968, de carne e sangue, não podem deixar ninguém indiferente, seja qual for a explicação.

No caso destes pássaros que choveram mortos a hipótese mais aceitável parece ser a de que foram sujeitos a uma experiência traumática, eventualmente provocada pelo rebentamento de fogo de artifício. A ser assim, os pássaros morreram de medo e desorientação. Uma coisa horrível.

A notícia deixou-me a pensar como será estar numa cidade sujeita a um bombardeamento nocturno. Uma chuva de bombas será, decerto, a mais aterradora de todas as chuvas. Que efeito provocará uma chuva de bombas nas pessoas, que ficam inquietas com uma simples cacimbada de tordos-sargento?

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Amores sem fronteiras


Portugal sempre foi conhecido no estrangeiro pela forma como nós, os indígenas deste país, recebemos aqueles que nos visitam. Recebêmo-los com largos sorrisos e a esperança que eles gostem de nós.

Nem sempre são razões de interesse que estão na base dessa atitude. Parece-me um sentimento genuíno, alargado a uma grande parte da população. Talvez seja o facto de sentirmos que o nosso país é uma coisa atirada para um canto, perdido nos confins da Europa continental quase a caír no oceano. Tão próximos ficámos do Atlântico que passou a ser, também ele, parte do nosso chão e por aí fomos, a fugir dessa Europa madrasta que sempre pareceu escorraçar-nos.

Nos últimos tempos temos assistido a provas de simpatia extrema por parte dos nossos governantes. Primeiro foi o ministro da economia, Teixeira dos Santos, a ir dar umas beijocas e uns abraços aos amigos chineses. Agora o próprio Sócrates, esse expoente máximo do sorriso aberto (escrevi "aberto", não escrevi "franco") e primeiro entre os nossos ministros, foi mostrar a Dilma, a presidenta brasileira, como o Brasil é importante para nós e como Portugal pode ser importante para o Brasil.

Há por aí uns mal intencionados que sugerem que esta simpatia extrema dos nossos governantes não será genuína, que leva muita água no bico. Que serão a riqueza e a enormidade destes países, Brasil e China, que nos fazem sonhar com a vaga possibilidade de tirar Portugal do lamaçal económico em que se encontra atolado. Talvez... mas a gente até que gosta deles. Só esperamos, pelo menos, que eles gostem igualmente de nós.

sábado, janeiro 01, 2011

3 coisas 3



Ora cá estamos nós em pleno ano de 2011. Assim, à primeira vista, está muito parecido com 2010 (tive a impressão de que hoje a noite caiu mais depressa). Sei que, pelo menos, uma coisa será nova: pela primeira vez desde que me lembro o meu ordenado será reduzido.

Ao invés do habitual anúncio de um tímido aumento tenho a certeza de uma substancial redução. Ora isto é uma novidade. Não posso garantir que seja uma boa novidade mas também não posso negar que promete um ano novo com alguma originalidade.


No passado dia 30, ainda no ano velho, fui ao cinema ver Stone, um filme sem acção, apenas actores dialogando, representando, com vozes em fundo radiofónico, em reflexão constante sobre temas religiosos que servem de tapete ao restante argumento. Um filme interessante, com Ed Norton a brilhar extraordinariamente, bem suportado por um Robert De Niro no seu registo habitaul, sólido e pouco versátil. Depois temos Milla Jovovich que é uma espécie de joker, a carta que, não fazendo parte do baralho, está lá e, quando é jogada, transforma as coisas. Uma palavrinha ainda para a excelentíssima senhora Frances Conroy (ponho este link para que possas confirmar quem ela é) que ajuda (e muito) à eficácia global deste objecto cinematográfico. A ver.


Finalmente uma palavrinha para o futuro próximo. No dia 23 do presente mês iremos a votos para eleger o Presidente da nossa República das Bananas. Anda-se para aí a dizer que Cavaco Silva não vai dar hipóteses aos adversários, que são favas contadas e pronto. Porra! Que isto não faça desarmar aqueles que, como eu, têm vergonha de ser representados por aquele ser vivo. Mesmo que ele ganhe não vamos deixá-lo sossegadinho, a fazer o seu habitual número do anjinho papudo (que não é, nunca foi e muito menos alguma vez virá a ser).
Sei que as alternativas não são muito brilhantes mas existem. Como tal é importante que nos envolvamos na campanha, que escolhamos um candidato e votemos. Cavaco não pode continuar a passar entre os pingos da chuva sem se molhar. Vamos molhar esse gajo.