sexta-feira, dezembro 31, 2010

2010... 11


De que andas tu à procura quando não procuras nada?
Há, na tua cabeça, ecos de coisas que te esqueceste de pensar.
Amanhã é um novo ano, coisa de calendário.
Que te seja leve, é o meu desejo.
Beijos e abraços.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Ler


Acabei de ler o romance "Estrela Distante" de Roberto Bolaño. Se "2666" me tinha impressionado favoravelmente, com este 2º livro do autor chileno decidi ler tudo o que encontrar assinado por ele. O gajo escrevia de uma forma assombrosa. Quando leio Bolaño é como se estivesse a ler as coisas que gostaria de ter sido eu  a escrever, forma e conteúdo, e é perante a grandeza da sua escrita que compreendo como me falta arte e, sobretudo, como me falta vida. Resumindo, percebo como me falta tudo!

Diz o ditado que "não há bela sem senão"; e o senão nesta história de contornos felizardos é a edição que me foi oferecida no dia de Natal. A coisa saiu com a chancela da Teorema e além de uma capa assim a dar para o muito ranhoso tem um conjunto de gralhas e descuidos vários, capazes de irritar o mais santo dos leitores, pormenores que sugerem que a edição foi feita à pressa ou então com falta de tempo.

Nada que impeça a leitura deslumbrante de mais esta história negra como a noite escura, contada com um brilho capaz de ofuscar a luz do sol. Decerto exagero nos elogios, mas não faz mal, Bolaño merece o exagero.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Coisas redondas


Aproxima-se o final de ano e surgem as tradicionais listas das coisas mais importantes do ano. Ele são os 10 melhores livros ou as 100 pessoas mais glamorousas, as 50 medidas do governo para atacar a crise, listas sempre compostas por números redondos.

Não encontramos os 11 melhores discos nem os 27 cientistas mais relevantes no panorama internacional. Nada disso. As listas têm sempre 10, 50, 100 elementos, como se esses números encerrassem alguma espécie de magia sobrenatural (que a magia do costume, a magia do quotidiano, não impressiona por aí além).

Esta redondice numérica deixa-me sempre a pensar que há-de haver por aí muita injustiça. Ou alguém (ou alguma coisa) entra na lista indevidamente, só para arredondar, ou então cai fora por estar a estragar a beleza da coisa.

A partir de agora vou dedicar-me a procurar as coisas (ou as pessoas ou o que quer que seja)  que estão a mais ou a menos nestas listas, as pontas indesejadas ou os elementos integrados apenas para embelezar.

Nesta minha nova busca descobri que a elaboração de tais listas redondas é, por si só, absolutamente redundante. Percebi que as listas são feitas apenas porque sim e apenas não seriam feitas porque não.

Daí que este post seja, tal como essas listas, uma espécie de coisa nenhuma, uma coisa redonda e imperfeita, como apenas as coisas redondas podem ser. A minha busca acabou mal tinha sido iniciada.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Plásticos

Os homens dos anúncios publicitários não têm pêlos. Não têm pêlos no peito, nem na cara, nem nas pernas, são pelados. Mais barbeados que o rabinho de um bébé, tão lisos e limpos como o chão de um corredor de hospital futurista. São avatares do homem que aí vem, o homem que já quase existe e não tarda em chegar. Representam a imagem do homem desejado pela sociedade de consumo pós-industrial.

Seja por obra e graça do Photoshop ou da depilação a laser, são homens-bonecos, próximos da coisa de plástico, como se fossem todos clones do namorado da Barbie, reproduções baratas de estátuas gregas para vender a pataco. A invenção desta new thing parece dizer-nos ao ouvido: vê lá se te aperaltas e te deixas de merdas pois isso é que é importante e faz a felicidade brilhar. Revoluções? Isso é coisa de tipos feios e barbudos, cheios de pêlos, como os macacos.

Como será o Pai Natal, sem barba nem barriga de cerveja, representante de uma masculinidade lisa como um saco de plástico?

sábado, dezembro 18, 2010

Uma suspeita

Não sei se sentes o mesmo que eu, caro leitor. Eu sinto que, apesar de o tempo passar e ir deixando marcas no meu corpo, alterando-me o aspecto exterior, por dentro, naquilo que, penso, seja a minha alma, não noto alterações tão profundas quanto as rugas que agora me desenham o rosto. Lá no fundo (cá no fundo) continuo a ter os impulsos e os anseios que sempre tive  desde que me lembro de me lembrar de alguma coisa.

Na essência não me parece que esteja assim tão afasatado quanto seria de esperar daquilo que fui em criança. Suspeito que sou, que todos somos, crianças envelhecidas, crianças grandes, mas crianças.

Inventamos formas de imaginar que o crescimento do corpo implica o crescimento da alma. Que a idade adulta é muito diferente da imperfeita adolescência, que a adolescência é demasiado próxima da infância, mas cada vez mais me convenço que as coisas não são assim tão claras, muito menos são evidentes.

A idade adulta apenas dificulta a aceitação de que continuamos com desejos e impulsos infantis. Queremos continuar a ter tempo livre para brincar mas, como isso é complicado, passamos a transferir o espírito das nossas brincadeiras infantis para as relações de trabalho, para o quotidiano delirante que vivemos. Porque a vida é um eterno delírio.

Se assim for, mas posso perfeitamente estar enganado, fica explicada a razão de tanto desmando na superficie do planeta, tanta confusão e desgoverno nas nações, fica explicado o falhanço da sociedade patriarcal em que nos vamos, paulatinamente afundando. Os grandes chefes de estado não são mais que crianças tristes e angustiadas, os donos das empresas multinacionais são como adolescentes maldosos e rassabiados, todos eles, todos nós, saudosos do amor materno e do conforto uterino, memória para sempre perdida.

Imagino que a solução para os males do mundo seja entregar, de uma vez por todas, o poder às mulheres. Apenas uma mãe poderá por em ordem as nossas cabeças desorientadas de crianças.

sábado, dezembro 11, 2010

O sintoma


O “Caso Assange” está a deixar atrás de si um rasto de destruição do tecido democrático que poucos conseguiriam imaginar aqui há uns meses atrás. Mas essa destruição não é o que está a degradar a democracia. O que a Wikileaks tem vindo a destruir com uma eficácia robótica é o véu difuso que cobre aquilo a que chamamos “democracias capitalistas”, deixando a céu aberto alguns esgotos fedorentos que nos têm sido apresentados como canalizações seguras de água potável.

Muita gente se insurge contra o facto de Assange apontar baterias ao império americano deixando fora da vergonha que tem exposto os “impérios do mal” chinês ou russo. Essas pessoas afirmam que se está a destruir um dos mais preciosos bens das “democracias capitalistas” que é o segredo em que se fabricam discutíveis negócios diplomáticos, como se a falta de escrúpulos e a gula dos mais poderosos fosse uma espécie de direito divino a que nós, os basbaques da ordem, não temos o direito de assistir.

Não vejo esses a questionar o facto de o nosso Estado Social estar a ser assassinado pela concorrência desleal entre economias que assentam em paradigmas opostos. Abrimos os mercados internacionais à concorrência feroz entre sistemas que nada têm em comum no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. Por isso vemos com a maior das naturalidades as empresas multinacionais a “deslocalizar” os seus centros de produção para países onde trabalho é sinónimo de escravatura, atirando milhares dos nossos para o desemprego e a miséria e achamos normal. São as regras do jogo. O lucro tudo justifica da mesma forma que o segredo diplomático. Os fins justificam os meios. Isto não me soa nada democrático.

A Wikileaks é um sintoma da doença que vem corroendo as democracias ocidentais, não é a doença, em si. O que temos agora perante os nossos olhos é a evidência de algo que há muito suspeitávamos, o declínio do nosso império planetário é imparável. Fecha-se o ciclo de dominação do Ocidente iniciado com as viagens marítimas dos europeus e o seu superior desenvolvimento tecnológico, político e social que culminou no domínio colonial sobre o resto do mundo. Com o fim dos impérios coloniais estamos agora, teoricamente, em pé de igualdade com aqueles que explorámos e humilhámos ao longo de séculos. É tempo de ajuste de contas e a porrada que estamos a levar não é bonita de se ver, aqui deste lado.

A Democracia à moda da Grécia Antiga, que foi o nosso orgulho e a nossa bandeira durante a segunda metade do século XX, está toda esburacada e mais suja que uma fralda de recém-nascido. Já não faz sonhar ninguém nem mobiliza multidões de idealistas convictos. Vendemos a Democracia ao capital e o que temos em troca é esta deterioração do nosso modo de vida em função de uma natural ascensão de países não democráticos à condição de potências dominantes num mundo economicamente globalizado. Trocámos um ideal de civilização por uma sociedade selvagem alindada por uma mão-cheia de gadgets tecnológicos, onde os grandes comem os pequenos sem remorso nem a mais pequena sombra de hesitação.

O que a Wikileaks está a fazer é apenas despertar a consciência que temos da decadência do império.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Sossego ou medo?


Toda esta história em volta de Assange me deixa a pensar em várias coisas, nem sei bem qual delas a mais desagradável.

Fico a pensar que  toda a histeria democrática com que bombardeamos regularmente os chineses por não permitirem um espaço de informação e comunicação aberto e sem censura não passa disso mesmo, histeria. Histeria e cinismo porque, afinal de contas, a liberdade de expressão não é assim tão radical como se pensa.

Penso também que o sonho de uma sociedade aberta e governada por personagens interessadas no bem comum é mais um pesadelo que outra coisa. Lá por trás anda tudo metido em cenas pouco edificantes e o que passa para os canais de informação convencionais são meros contos fantásticos. Quando alguém mete a boca no trombone e deita cá para fora hsitórias verdadeiras que desconstroem os tais contos fantásticos está a arriscar a pele. Isso não deveria acontecer mas, como podemos constatar com o caso de Assange, é o que acontece, de facto.

Finalmente, uma dúvida: o que é melhor para as sociedades democráticas, saber o que se passa ou viver na ignorância e na ilusão? A ignorância sossega, a verdade assusta?

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Em fuga no espaço virtual


O amigo Assange está feito num oito. Realmente não sei bem do que estava ele à espera ou de que estavamos nós à espera que lhe acontecesse a ele e ao seu terrível site da Wikileaks. Após os verdadeiros assaltos à imagem da administração norte americana e aos abanões que as revelações da Wikileaks têm dado à credibilidade (ou, pelo menos, à seriedade) de uma parte dos dirigentes mundiais, o que poderia Assange esperar da vida?

Perseguições, é bom de ver. Perseguições a ele e ao seu site que vem sendo empurrado e apagado aqui e ali, pelo espaço virtual fora. O que a Wikileaks faz não é particularmente elegante. A discussão em torno dos métodos e dos conteúdos tem sido grande. Mas, não sendo elegante, tem a eficácia de uma martelada no dedo grande do pé.

Assange anda por aí, em fuga. Martelou demasiados dedões e com demasiada força. Esperemos que consiga continuar a escapar-se e  a dar marteladas a torto e a direito.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Finalmente, um pouco de beleza no mundo!


O trabalho da Wilkileaks é como um raiozinho de sol a aconchegar uma abelhinha que retira o pólen a uma delicada flor num imenso prado, outrora verde. A beleza da coisa tem também a ver com o facto de haver já dissidentes da Wikileaks que criticam a actual orientação do site por se centrar demasiado nos EUA e se manifestam dispostos a criar outro site do mesmo género, coisa linda como esta mas com vistas mais alargadas, depreende-se.

Entretanto a Interpol emitiu um mandado de captura internacional contra Julian Assange que lhe terá escapado à justa ainda esta manhã, ou ontem, ou lá quando foi. Não pode haver uma coisa bonita que não desperte a inveja ou a falta de sentido estético dos mongas que governam este mundo. Anda tudo doido por deitar a pata ao bom do Julian, o esteta.

Assange verteu uma boa dose de beleza neste mundo a desfazer-se em merda ao destapar a fossa, mostrando o aspecto real da coisa; feiosa, miserável, mesquinha, uma monstruosidade, é o que é o mundo que nos encaixa nos nossos corpos e oprime as alminhas que os animam.
Espero que Assange escape e continue a produzir estes momentos únicos de beleza resplandescente.