quinta-feira, julho 01, 2010

Ainda a lucidez...


Não é só no universo artístico que a lucidez irrompe majestosa e musculada, qual touro desembolado em loja de porcelanas. A lucidez está em todo o lado. Assentou arraiais nos programas escolares, onde a Matemática e a Língua Portuguesa são consideradas a coluna vertebral do bom ensino. Nada a objectar se as Artes tivessem um mínimo de protagonismo (que não têm). A História passou a parente pobre e a Filosofia já conheceu dias bem mais interessantes. Uma e outra tendem a desaparecer, lenta e tristemente. Tudo isto em nome de uma suposta necessidade de preparar os infantes lusitanos para uma coisa meio abstrusa a que chamam "vida activa". Fica por entender a que actividade se referem os que desenham os currículos aplicados nas escolas.

A Economia não sofre beliscadura, substitui com brilhantismo a velha Religião e Moral (católica) que os deuses de hoje são outros que não eram ontem. Os pais querem ver os filhos a estudar Gestão de Empresas e Ciências, imaginando que, desse modo, terão outras facilidades na tal "vida activa". Esquecem-se que o "canudo", por si só, não garante nada a ninguém. Na sua tremenda lucidez não percebem que, ou os filhos estão dispostos a trabalhar ou não estão, e é aí que reside a principal diferença. Com tanta secura matemática e tão aparelhados olhares científicos, as criancinhas têm cada vez maiores dificuldades em compreender aspectos simples das relações humanas e não lidam particularmente bem com noções básicas de justiça. Talvez lhes falte um pouco de Filosofia, ou de História (já nem falo na História que nos descreve as Artes). Ética acrescentada à Aritmética, Estética a dar o braço à Óptica, sei lá que se pode dizer em favor de um ensino mais humano e humanístico!

Não cabe neste post um discurso perfeitamente articulado sobre questões tão vastas e de tanta polémica. Mas, olhando de viés o mundo em nos atascámos, podemos perceber os efeitos da lucidez na governação, na economia, na justiça, na nossa vida quotidiana, enfim. A lucidez está presente quando dizemos às criancinhas "as coisas são como são, não és tu que vais mudar o mundo!" Não há perspectiva do Universo mais lúcida do que esta. Nem mentira mais redonda.

Se não formos nós a mudar o mundo, outros o farão no nosso lugar. Ou então serão capazes de o manter tal qual está, se isso lhes trouxer os lucros do costume. A lucidez é perigosa, na medida em que contribui fortemente para gerar hordas de cidadãos parecidos com animais ruminantes. Animais que pastam informação com indiferença bovina, incapazes de perceber que o mundo não é aquele palácio que lhes prantaram defronte. O mundo está do outro lado, nas traseiras do palácio, à espera que vamos até lá fazer o que for preciso. Falta um pouco de loucura a esta lucidez com que andam a empacotar as nossas vidas.

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