sexta-feira, outubro 24, 2008

A hora mágica

Há uma certa hora do dia que é uma hora mágica. É aquela hora entalada entre a tarde e a noite, quando a luz se comporta como se fosse um imenso duende, a brincar com o olhar humano. As coisas brilham estranhas e os adultos passam na rua com crianças pela mão que vêm da escola. As mochilas pendem dos ombros mais altos e os pequeninos contam histórias do dia com expressões exageradas e vão felizes. É aquela hora em que o mundo se completa e faz mais sentido. É quando as coisas se preparam para mudar a sua natureza. Nem o dia é noite, nem o contrário é verdade e não há mentira. É a hora do reencontro, da comunhão de todas as existências. Nem sempre nos apercebemos dessa hora mágica porque ela é tão discreta como um beijo de boas-noites. Quando a vejo, quando a sinto, quando entro na magia dessa hora, enche-me o peito uma felicidade enorme e sei que sou um felizardo por viver num mundo assim e poder senti-lo dentro e fora de mim. E sei também que é necessário fazer seja o que for para que, no dia seguinte, a hora mágica regresse. E no dia seguinte e todos os dias, até que a eternidade acabe.

9 comentários:

Beto Canales disse...

Poxa, que bela surpresa. Mais uma qualidade no amigo Silvares, quem eu já admiro tanto: poesia. Uma legítima prosa poética. Muito legal.

Anónimo disse...

O Beto tem razão. POESIA PURA!
Gosto muito das primeiras horas do dia, mas tens razão que essas que mensionou tem um ar diferente! Nada mais pode acontecer no dia que se acabou, e se avizinha a noite com tudo que ela pode trazer!
Muito bom!

Forte abraço e bom fim de tarde e de semana!

Anónimo disse...

Texto do Millor Fernandes : " É impossível explicar as preferências humanas. Embora confeccionados com materiais absolutamente idênticos,e ambos lindíssimos (ninguém é capaz de dizer qual dos dois é mais belo), o pôr-do-sol sempre teve, e tem, muito mais público do que o nascer-do-sol. "

Você conseguiu jogar uma luz sobre as preferências humanas.

Jorge Pinheiro disse...

Exceento texto poético. O simbolismo aqui ultrapassa as horas do dia e envolve o renascer. De qq forma, indo à letra não resisto a dizer que, se fosse no Recife, este texto não tinha tempo de ser escrito. A luz acabava entretanto!

Jorge Pinheiro disse...

Excelente texto... claro. Quanto ao resto, mantenho tudo.

Anónimo disse...

Olá Ruizinho!:-)
Lembras-te de mim?..
Adorei o teu texto, como todos já disseram, tão poético, tão sem artifícios..

Eu também costumo extasiar-me com essa hora mágica. O que mais me fascina é aquela luz surreal que cobre tudo: as pessoas, as casas, a arriba fóssil q vejo da minha casa, e o mar.

No entanto, são as nuvens (quando as há)que me fazem acreditar num qualquer criador/pintor/sonhador. As nuvens que em segundos percorrem um espectro de cores, do laranja fogo ao lilás, passando pelo rosa, que parecem distender-se num evoluir preguiçoso, como quem se prepara para adormecer.

Pena mesmo - que pena! ... - é que, nessa hora mágica (ou nas outras...) quase ninguém olhe para cima, quase ninguém veja o céu..

Bjis,
Ana Lima

Cristina Loureiro dos Santos disse...

Lindo, Rui!
Fiquei sem palavras.

Beijos.

Cristina Loureiro dos Santos

Ví Leardi disse...

Tão lindo ...especialmente nestes dias de "pouca luz" pelo mundo...
Grande conselho...

Silvares disse...

Beto, de vez em quando dá-me para isto. Tem a ver com a situação e com a possibilidade de garatujar umas palavras num papel. Muitas coisas ficam sem registo escrito. A ironia está em que não costumo ler poesia, não sou capaz.

Eduardo, obrigado pelas suas palavras. É uma hora bonita, mesmo.

Peri, na verdade o que se passa é que a maioria dos nascer-do-sol apanham-me de olhos bem fechados. Mas parece-me que a alba é a hora da separação e o crepúsculo a hora da reunião. Entre uma e outra o dia individual. A vidinha...

Jorge, de regresso de terras brasileiras vens com outras luzes no olhar. Cada cidade tem a sua luz, há quem chame a Lisboa a Cidade Branca. Compreendi isso melhor depois de ter visitado algumas cidades do Norte da Europa. Mas os meus fins de tarde são agora em Almada uma cidade assim com umas cores meio estranhas.

Ana, olá, bons olhos te vejam. No dia em que registei aquela cena o que me tocou realmente foi ver os adultos e as criancinhas de mãos dadas e felizes até dizer "já chega!" Realmente não dei muita atenção ao céu.
:-)

Cristina, nem sempre estou a reclamar dos males do mundo...
:-D

Ví, nestas ocasiões compreendo o valor que tem uma vida pacífica, em comunidade, o valor que tem podermos andar na rua com confiança nos outros seres humanos, em comunhão. É isto que importa preservar.