quinta-feira, julho 31, 2008

Eco perdido




Este post resulta de um conjunto de notícias que tenho lido aqui e ali, meio desgarradas, ao longo das últimas semanas, uma espécie de eco perdido. Diz respeito à situação que se vive actualmente na Guiné-Bissau (ver aqui versão light para encantar turistas potenciais).

"A Guiné-Bissau é um dos países da África Ocidental que poderá ficar refém dos narcotraficantes, avisou o director executivo do Departamento da ONU de Combate à Droga e Crime, António Maria Costa." (ler aqui todo o artigo) Vivem-se tempos complicados por aquelas bandas devido a uma situação de tráfico de cocaína absolutamente descontrolado.

O problema não se coloca apenas aos países europeus destinatários da droga. A população guineense está a sentir na pele a mordidela venenosa da toxicodependência entre os mais desprotegidos e da ganância dos que negoceiam a impunidade dos narcotraficantes.

A entrada de rompante que a cocaína fez no quotidiano dos guineenses está a arruinar ainda mais as fragéis instituições do país. As notícias que vão chegando aos órgãos de informação internacionais não são muito detalhadas mas deixam perceber que se assiste ao nascimento de um narco-estado (seja lá isso o que for).

A Guiné-Bissau é um país pobre e meio perdido na voracidade esquizofrénica do mundo contemporâneo. O facto de não possuir recursos naturais que tornem o país um parceiro apetecível condena a Guiné-Bissau a um estado de abandono pouco recomendável.

Para a Guiné-Bissau haverá poucos sorrisos de estadistas europeus por não proporcionar "photo opportuinty" digna de ser vista nos noticiários à hora da papa das famílias da classe média europeia.
Entretanto a coisa vai-se afundando. As instituições não funcionam e estão entregues aos interesses dos mais variados filhos-da-puta que vão minando a, já de si frágil, ordem aparentemente estabelecida.

A situação arrasta-se sem que haja a mínima atitude por parte das instituições internacionais. Má sina ser tão pobre que apenas se desperta a atenção de ladrões e vigaristas sem escrúpulos. Houvesse petróelo e diamantes nas redondezas e talvez os exploradores fossem outros, menos destrutivos mas igualmente desprezíveis.

A Globalização só funciona em certas situações. A hipocrisia dos defensores da Aldeia Global Democrática vê-se bem nestas situações.

quarta-feira, julho 30, 2008

Uma questão económica


Sócrates exibindo o seu maravilhoso sorriso a dois amigos do peito

Nos últimos tempos temos sido confrontados com situações algo bizarras em termos de relações internacionais.

Por um lado continuamos a manifestar a nossa fé na Democracia enquanto forma mais justa para a governação dos povos, por outro assistimos a repetidas manifestações de algum cinismo por parte dos que nos governam democraticamente.

Desta vez nem precisamos de saír do nosso jardinzinho à beira-mar plantado que é este imenso Portugal. José Sócrates descobriu uma súbita admiração por Muamar Kadafi, um dos ditadores há mais tempo no activo. A razão será o estabelecimento de acordos comerciais, em particular no campo energético tendo o gás natural líbio como condimento afrodisíaco. Ainda não há muito tempo Kadafi era considerado um pária internacional, acusado de fomentar o terrorismo e não respeitar nada que se pareça com direitos humanos lá na terra dele.

Basta uma pesquisa rápida no Google para depararmos com uma preenchida agenda de contactos internacionais deste ditador com ar de zombie, que parece estar sempre para lá de Marraquexe, como costuma dizer-se (e está, de facto).

Foi também notícia a forma como Sócrates lambeu as botas a José Eduardo dos Santos, o presidente angolano. Eduardo dos Santos é outro que tal, um cleptocrata encartado, rico como Cresus e figura nada recomendável se tivermos em conta o tal ideal democrático. Claro que os recursos naturais angolanos e os negócios nem sempre muito bem explicados que se desenvolvem entre Portugal e Angola podem servir de pretexto para explicar tanta macieza no trato entre os estadistas em questão.

And so on, a lista é infindável e não emporcalha apenas José Sócrates mas a esmagadora maioria dos líderes dos "grandes" países europeus e da maior parte das democracias por esse mundo fora.

Em suma, a democracia e os direitos humanos são a letra da canção mas a música varia muito conforme o tempo e o local do espectáculo. Afinal de contas a economia mundial não se compadece com os direitos das minorias e muito menos com o direito à vida de quem cai em desgraça na terra dos poderosos.

Podemos concluir que a Democracia é uma questão económica. Desgraçadamente.

terça-feira, julho 29, 2008

Claro como água (para o meu Mestre)


Nos últimos 3 dias tenho lido e relido este poema. Eu que não sou nada virado para a leitura destas coisas, deixei-me apanhar. Retirei-o de um livro oferecido com o Público, aqui há uns dias, da colecção Os Poemas da Minha Vida. O volume oferecido compila os poemas da vida do meu Mestre de pintura, Jorge Pinheiro.

O Mestre decerto se esqueceu de mim na nuvem confusa dos estudantes que lhe passaram à frente ao longo dos anos mas eu nunca o esquecerei nem ás suas palavras certeiras que tanto me ajudaram a ultrapassar a complicação com que imaginava o acto de pintar.

Foi Jorge Pinheiro o guardador do meu rebanho, foi ele quem me mostrou como o sentido oculto das coisas está sempre ali, a oferecer-se, impaciente que sejamos capazes de o ver. Tão simples, tão evidente e claro como água.

Pintura recente de Jorge Pinheiro

Nunca mais vi o Mestre (vi-o uma vez num programa na TV e comprei um livro sobre a sua obra vai para um par de anos). Não sei bem como pinta agora, ele que tão bruscas viragens foi capaz de dar ao sentido do seu trabalho. Lá bem no fundo sinto que ele vive um pouquinho através de mim e daquilo que faço, tantas são as vezes que dele me lembro quando estou defronte à pintura que estou a pintar.




segunda-feira, julho 28, 2008

Debaixo do sol


A mulher assim a dar para o envelhecido, o miúdo com o boné e aspecto meio lerdo, mais a rapariguita com dentes de fora mas sem aparelho que lhos possa corrigir, jogam cartas. Na areia da praia, mais limpa que muito suja, corpos meio sentados, fazendo força para que se não deitem, atiram cartas para uma toalha que não vejo mas facilmente posso adivinhar.

O sol ora brilha ora se esconde, parecendo jogar também um jogo de enganos e trunfos escondidos.

Vistos assim, daqui, da memória que guardo e que é meio longe, meio perto, estão felizes.

Não os ouço, espio a sua alegria por não ter mais nada de bom para fazer e sinto-me a sorrir com eles que nem me imaginam e muito menos sabem o que quer que de mim seja. Nada.

Vejo-os jogar, as cartas subidas ao peito, a dançarem os olhos, os olhares, os lábios sorridentes. São belos, são um grupo lindo. A felicidade que deles emana é tão completa que quase a sinto, mesmo agora, nove horas depois de os ter visto.

Provavelmente nunca mais porei a vista em cima daquelas personagens. Personagens da minha manhã de Verão quente ou, se as voltar a ver, não saberei que são aquelas que hoje observei, nem isso interessa para absolutamente nada. O que me interessa, o que guardei, o que roubei sem tirar nada daquele grupo de três jogadores de cartas na areia quente da praia, foi a doce sensação de felicidade que todos temos, mesmo os que o não sabemos. A felicidade que habita os nossos corações. Que guardamos como tesouro de piratas, enterrado fundo por ser tão valioso. A felicidade está lá, na escuridão do baú que é o nosso peito, escondida. Demasiadas vezes escondida, mas sempre, sempre, aguardando ansiosa o momento em que possa libertar-se para vir brincar com os nossos lábios, com os nossos olhos, brincar com os nossos corpos, na esperança de poder alojar-se para sempre nos nossos corações.

Obrigado mulher. Obrigado miúdo. Obrigado rapariguinha. Agradeço também ao sol, ao mar, à areia. Agradeceria ainda a Deus, não fosse Ele um bocado mal-educado que nunca responde a nada que lhe diga ou pense ou ofereça de qualquer das milhentas maneiras que já imaginei para com Ele poder contactar.

Assim sendo ficamos por aqui.

domingo, julho 27, 2008

Verdinhos e sorridentes


de cima para baixo:

Jerónimo aponta o demo do futuro;

um selo dos correios mistura o Euro 2004 com o golf

e um mapa dos campos de golf espalhados pelo país com particular incidência no "Allgarve"




O Secretário geral do Partido Comunista Português insurgiu-se, ontem, contra aquilo que considera ser mais um atentado do actual governo contra as condições de vida das classes menos favorecidas, neste caso os agricultores e os pescadores algarvios. Segundo Jerónimo de Sousa incentiva-se uma "monocultura do turismo" com os investimentos das grandes negociatas a irem direitinhos para resorts e campos de golf.

Pelo que compreendo e ouço e posso ver, Jerónimo tem razão. Dentro de alguns anos, os descendentes dos agricultores e pescadores do reino dos Algarves serão todos tratadores de relva e jardineiros, recepcionistas e criadas de quarto, etc., etc., quando a "monocultura do turismo" secar todas as actividades tradicionais em volta. Essa "monocultura" criará (ou já terá criado?) uma espécie diferente de latifúndio, se assim lhe podemos chamar.


E está a alastrar e vai chegando ao Alentejo, não apenas na costa mas também para o interior com a barragem do Alqueva a prometer cada vez mais novos empreendimentos "golfísticos" que exigem muito mais água que todos os camelos do deserto juntos.


Jerónimo olha aterrorizado para um futuro próximo sem operários nem camponeses nem pescadores, substituídos por legiões de trabalhadores temporários, sem sindicatos nem organizações de classe que protejam os menos favorecidos da gula capitalista. Jerónimo parece ter razão no prognóstico traçado.


Mas, num país sem indústria digna desse nome e com poucos recursos naturais, o turismo parece ser uma saída mais ou menos airosa em termos de oferta e criação de postos de trabalho. No parto deste país verdinho e sorridente iremos assistir ao definhar progressivo e definitivo do país rural e mais tradicional. Portugal irá transformar-se numa espécie de resort gigantesco, atafulhado de alemães e ingleses e holandeses vermelhuscos, chamuscados pelo sol e satisfeitos por poderem vir aqui desfrutar de um clima que não têm lá nas suas santas terrinhas.


Será este o nosso futuro? Talvez seja. Importa saber quem irá lucrar com isso e de que modo poderemos transformar a nossa vocação de povo de "tasqueiros" em produtores de turismo com qualidade suficiente para atrair os endinheirados do mundo ocidental. E fazer disso um factor de desenvolvimento. Não sei não, camarada Jerónimo, a coisa parece estar complicada.

sábado, julho 26, 2008

O ovo, a galinha e o candidato


Anda toda a gente meio embevecida com o candidato à presidência dos EUA. Melhor dizendo, na Velha Europa Obama venceria as eleições com uma margem assustadora, ao bom estilo de eleições no Quirguizistão ou no Partido Socialista Português, sem dar a mínima hipótese ao Senador McCain. De tal modo Obama é querido por estas bandas que já se perspectiva uma nova era de relações entre a União Europeia e os Estados Unidos da América com o homem na Casa Branca. Como diz o povo, estamos (estão) "a contar com o ovo no cú da galinha".
As notícias mostram que o velho McCain tem vindo a reduzir gradualmente a distância que o separa nas sondagens do seu adversário. Já se fala numa situação de empate técnico, tão próximos se encontram nos estudos de intenção de voto. Neste caso importa lembrar a forma como Bush ganhou a primeira eleição frente a Gore com a recontagem dos votos da Florida, numa exibição de democraticidade ao nível do Zimbawue de Mugabe.
Temos de pensar que quem tem direito a voto nestas eleições é o mesmo povo que elegeu duas vezes seguidas o presidente Bush como líder. Isso não abona rigorosamente nada em favor do americanos que, com a tal galinha, têm em comum o Q.I. médio e não o ovo no cú.
Na Velha Europa, que Bush diabolizou por não arrebanhar no apoio à aventura texana da invasão do Iraque, estamos tão entusiasmados com a possibilidade de ver um presidente americano jovem e negro que nos esquecemos de que ele é americano. Tal como Bush e McCain mas também como Clinton e Monica Lewinsky ou o Incrível Hulk e, até, o Joker, para dar vários exemplos disparatados .
Ainda teremos de pensar que ser presidente dos EUA é representar interesses inconfessáveis, é ter na sombra conselheiros que fazem de Darth Vader um menino de coro, em suma, ser presidente dos EUA é ser uma espécie de Pinóquio, o menino de madeira que sonhava ser um menino de verdade.
Portanto, e para resumir, nem Obama foi eleito (e poderá não chegar tão longe) nem nada nos garante que sendo o próximo presidente dos EUA venha a cumprir as expectativas que a Velha Europa mostrou ter na sua pessoa ao encher as avenidas do Tiergarten de Berlim com 200 mil alminhas que foram ouvir a palavra de Obama. Ou seja, mesmo que a galinha tenha ovo no cú é conveniente testar primeiro a sua qualidade. Pode vir já estragado.

sexta-feira, julho 25, 2008

2º Tempo

Why so serious? Ou porque são os vilões tão mais interessantes do que os heróis? A resposta está neste filme. A personagem do Joker é realmente uma construção monumental do defunto Ledger, ofuscando o resto. Cada cena com o Joker é uma descoberta e os diálogos entre ele e o Batman expõem e desenvolvem algumas ideias terrívelmente românticas que, noutro contexto, poderiam soar a lamechice mas ali caem como bombas.
Gostei. A palavra gostar não se aplica bem mas não me apetece pensar muito nisso. Fica assim mesmo.

quinta-feira, julho 24, 2008

O Cavaleiro das Trevas (post a 2 tempos)



Esta noite vou ver o mais recente filme inspirado na personagem do Batman. Vi todos os anteriores, sempre fui um admirador do Cavaleiro das Trevas, decerto atraído pelo seu romantismo sombrio.

As expectativas são elevadas. As críticas entusiasmam e há a personagem do Joker que, segundo ouço dizer, é magistralmente interpretada pelo malogrado Heat Ledger ao ponto de se falar em Oscar póstumo pelo seu desempenho.

O restante elenco é de luxo, a produção dispendiosa e o argumento decerto não terá sido descurado. Todos os ingredientes necessários a um repasto de luxo. Espero não apanhar uma indigestão.

Mais logo, após ver o filme, postarei o 2º tempo deste post.

quarta-feira, julho 23, 2008

O que é arte?

clicar no texto permite uma leitura eficaz


Este texto de Desidério Murcho saíu no Público de ontem. Parece-me um texto interessante que tem o dom de colocar a velha questão "O que é a arte?" sob diversos pontos de vista, enquadrando convenientemente a questão de cada vez que é colocada.
Murcho conclui o seu texto propondo que todos nós sabemos muito bem o que é a arte mas quando tentamos explicar o nosso ponto de vista entramos num labirinto sem saída. Poderemos então concluir que uma coisa é sabermos do que se trata e outra, completamente diferente, verbalizarmos a nossa intuição. Concordo.
Na minha óptica o problema reside na natureza da arte. Ela escapa ás nossas palavras porque não pertence ao domínio do verbalizável. Um pouco como Deus, também a arte carece de uma forma que se possa expor através da simplicidade tosca das palavras. Quando muito poderemos tentar aproximações, frases interessantes, poemas ou aforismos que possibilitem ao outro um vislumbre do que nós pensamos saber.
A arte é coisinha do mundo das ideias e, como tal, poderemos encher páginas e mais páginas de volumosos calhamaços sem nunca conseguirmos a definição desejada. Nem um pouco mais ou menos.
A arte pratica-se e frui-se. Tentar explicá-la será sempre uma tarefa inglória e escorregadia. A arte está dentro de nós e tão fundo que tentar encontrar a definição que tantos procuram é como procurar o Santo Graal ou um comboio na linha do horizonte quando estamos na praia a olhar o mar.
Enfim, este texto (e tantos outros) são belos exercícios filosóficos mas, num tema como este, nem mesmo a Filosofia nos poderá satisfazer. Ou poderá?

terça-feira, julho 22, 2008

Ipirangueando


O Acordo Ortográfico foi finalmente promulgado pelo Presidente da República Portuguesa (lembram-se dele? Do Acordo, não do Presidente... ou vice-versa, para o caso tanto faz). Foi um parto mais difícil que o de um bezerro com 5 patas e cabeça de elefante. Após tanta dor e sofrimento não há notícia do estado em que terá ficado a progenitura do dito cujo Acordo.


Da parte que me toca e na minha qualidade de falante da coisa (a tal Língua Portuguesa) não estou muito entusiasmado com a promulgação nem preocupado com o que o futuro nos irá trazer em termos de escrita e etc. e tal.


Dizia Pessoa (ah, o Fernandocas, esse mostrengo da cultura lusófona!) que "A minha pátria é a língua portuguesa." Subscrevo e promulgo. E, sendo a minha pátria, mais declaro independência e liberdade absoluta. Ou seja, a partir de hoje considero-me um proscrito linguístico, um terrorista da escrita.


Se me apetecer escrever sem consoantes mudas, escrevo. Mas se me apetecer o contrário, o contrário farei. A partir desta data mando abolir o erro ortográfico e, sendo eu totalmente livre de escrever como me der na real gana, assim seja para todos os que comigo trocarem mensagens e textos e o que quer que seja.


Faz de conta que estou a gritar nas margens do Ipiranga, que estou ipirangueando.

Viva o Português livre e sem acordos nem o raio que os parta!

segunda-feira, julho 21, 2008

Animalidade empacotada


grafiti de Banksy numa parede algures


Quando peguei naquele hamburguer e o trinquei senti uma vertigem. De súbito dei por mim no topo de uma colina esverdeada com o sol a bater-me nas costas. Ao fundo do declive suave que escorria dos meus pés uma manada de... bichos de 4 patas, pastava com a maior das calmas. Eram tão bonitos! O pêlo luzia e o movimento das mandíbulas fazia dos... daqueles bichos, as coisas vivas mais bonitas que alguma vez tivera oportunidade de contemplar. Tão bonitos, tão bonitos que de imediato senti vontade de matar pelo menos um. Era um misto de inveja e de saliva a escorrer-me dos lábios. Corri por ali abaixo como um mamute ou coisa que o valha, de tal modo brutal e pesado que a bicharada debandou sem grande alvoroço, num movimento colectivo mais de fastio que de outra coisa. Trinquei o hamburguer e deixei-me de sonhos parvos.


A carne (era carne acho eu) pareceu-me mais plastificada que da última vez. Sendo carne devia ser carne de... vaca? Aqueles bichos criados em cativeiro e alimentados a rações esquizóides são vacas, não são? Pelo menos têm cornos e tetas e cascos... só podem ser vacas. Apesar do aspecto de total infelicidade e estupidez infinita, são vacas sim senhor! Apesar de nunca terem sabido o que é ser livre, de nunca terem conhecido outra realidade que não fosse a manjedoura à frente do focinho, de nunca terem experimentado as pernas para darem uma corridinha, acho que não faz delas uma espécie de não-vacas! Espero que não.


De igual modo, o facto de eu me alimentar daquela merda, de não plantar as alfaces nem os tomates, de comer maçãs estranhas, todas iguais e sorridentes na sua obesidade impossível, de andar de carro de um lado para o outro, mesmo em trajectos que poderia perfeitamente fazer a pé, não faz de mim um não-homem... ou faz? Bebo água engarrafada, não persigo animais pela savana, compro-os já escortanhados e feitos em pedaços embalados, liofilizados, certificados, mumificados, sem cheiro, nem som, apenas cor. E, mesmo isso não há-de durar muito tempo pois tem um aspecto pouco saudável. O vermelho da carne faz lembrar demasiado o sangue. Selvajaria!


Apesar de tudo lá emborquei o hamburger mais aquelas batatas fritas, tudo regado a cervejola fresca, ainda assim o melhorzinho do menu. Os serviços do Estado esforçam-se por tornar o mais fiável possível a limpeza dos estabelecimentos que nos servem a paparoca bem como dos produtos que metemos para dentro. Cada vez estaremos mais plastificados, limpos e empacotados, como leite de vaca. Isto ainda acaba mal! Numa perspetiva otimista, claro! (esta última frase foi escrita de acordo com o Acordo Ortográfico acabadinho de promulgar por sua Excelência e Coiso e Tal, Presidente desta nossa amada República :-)

domingo, julho 20, 2008

Um filme tão simples só pode brilhar!



Já lhe tinha pegado uma vez. Quase o trouxera para casa mas, por qualquer razão, acabou trocado por outro filme qualquer. Ontem, no Videoclube (mas se já não há cassetes de vídeo...) voltei a reparar na caixinha de ONCE. Como não vi mais nada que me agradasse lá lhe peguei, desta vez a decisão de o trazer para casa estava tomada. E trouxe.
Sinceramente não fazia a mínima ideia do que estava realmente a fazer ou do que iria ver. Muito menos ouvir! ONCE foi uma surpresa agradável. Trata-se de um musical estranho e pouco usual. As personagens quase são mais reais que nós prórpios e o registo cinematográfico, por vezes, dá a sensação de estarmos perante um documentário ou um filme caseiro.
A narrativa desenrola-se com clareza e suavidade numa Dublin pouco exuberante e, aparentemente, realista. E é de realismo que se pode falar quando se fala de ONCE. Uma espécie de realismo mágico, com a magia a deixar-se vislumbrar na forma positiva como as personagens se empregam na perseguição dos seus sonhos. Mesmo que isso as impeça de serem felizes, ou totalmente felizes. Confuso? O melhor mesmo é ver o filme. Vale a pena.

sábado, julho 19, 2008

Sonho de uma tarde de Verão

Imagem de Alexandre
Hoje tive um momento estranho. No calor abrasador da tarde, saí para deitar umas garrafas de plástico no ecoponto e ir comprar cigarros. Na soleira da porta do prédio ao lado do meu estava um rapaz que contava entusiasmado uma história a uma rapariga. Não teriam mais de 14 ou 15 anos. Ele explicava como tinha sido intensa uma experiência qualquer, passada algures num sítio chamado Bairro Branco. Não faço a mínima ideia de onde será tal sítio. Apanhei qualquer coisa relacionada com pintura. Graffiti, imaginei. O rapaz dizia que estava a pintar quando a mãe lhe telefonou. Dobrei a esquina, perdi o resto. Ao regressar após ter deitado as garrafas no contentor, havia mais um rapaz, um vizinho que mora naquele prédio. A rapariga era a namorada dele pois, apesar do calor, estavam abraçados. O outro miúdo contava a história de novo, a tal aventura passada no Bairro Branco.


Quando entrei no carro lembrei-me daquele tempo em que, quando um gajo tinha uma história, a contava vezes sem conta até ficar perfeita, até a realidade se ajustar à nossa perspectiva dos acontecimentos. Aquele tempo em que a verdade não era mais do que contar histórias repetidas até à exaustão.


E como era bom sentir as peças a encaixarem-se umas nas outras, perfeitamente, cada vez melhor sempre que a história era repetida. E o entusiasmo com que o fazia, a volúpia de poder limar algumas arestas colorindo o meu papel nos acontecimentos. Fazia de mim o herói do meu próprio filme, claro.


No calor da tarde senti-me outra vez um adolescente feliz por encontrar uma ordem segundo a qual a realidade fazia todo o sentido, por recordar como o Mundo já foi, para mim, um lugar completo e preenchido, uma ficção maravilhosa onde as coisas verdadeiras se misturavam com perfeição nas outras, menos verdadeiras mas não menos reais. E misturava tudo, uma e outra vez, até encontrar a narrativa ideal. Depois repetia-a até à exaustão e fazia rir ou apenas sorrir os meus amigos. Na verdade fazia as histórias para eles. Dedicava-lhas, incluía-os, oferecia-lhes protagonismo sem perder de vista o (meu) papel principal.


Ali estavam aqueles 3 adolescentes indiferentes ao sol implacável do verão Almadense, a reviverem a eterna paixão pela vida, uma paixão que se incendeia cada vez mais à medida que se vai percebendo e deixando descobrir. Eles estavam felizes e são felizes. Eu também já fui. E sou... e quero continuar a ser...


quinta-feira, julho 17, 2008

Como sardinhas na lata


O recente tiroteio no bairro da Quinta da Fonte entre grupos de ciganos e negros trouxe para a mesa de jantar das classes médias uma realidade que, até aqui, lhe era estranha. A da violência latente nas periferias das grandes cidades.

Agora estamos todos espantados com a quantidade de armas de fogo que por aí andam e na facilidade com que elas saltam para o meio da rua, disparadas a torto e a direito.

Começamos a perceber que os realojamentos em bairros sociais foram feitos à martelada, como é de bom tom em Portugal. Pegou-se nas pessoas à molhada e, muito simplesmente, trasladaram-se dos bairros de lata para edifícios monstruosos e construídos com materias de 5ª categoria. A degradação das condições de vida nem chega a existir visto que degradadas já elas estavam à partida!

Se existiam problemas sociais graves entre as populações quando habitavam bairros com ruas de terra batida e esgotos a céu aberto, estes não se resolvem com paredes de betão e arruamentos alcatroados. As pessoas são as mesmas e os seus problemas de integração social mantêm-se absolutamente inalterados.

Basicamente, o problema principal é o facto de vivermos como sardinhas em latas, uns em cima dos outros com o mínimo de despesa na organização do espaço habitável comum e o máximo de lucro para construtores e autarquias locais. A velha sina nacional de obter lucro rápido e, de preferência, fácil.

Noutro campo, completamente diferente, vem aplaudir-se a iniciativa do Ministério da Educação que pretende reduzir o número de professores por turma no 2º ciclo do ensino básico. Segundo os "especialistas" a soldo do Ministério, um problema terrível seria o de os alunos, aos passarem do 4º para o 5º ano, se confrontarem com um exagerado número de professores. Deixam de ter apenas um professor para se verem obrigados a conviver com uma dúzia deles, mais coisa menos coisa.

Ninguém se lembra de pensar que o problema poderá ser o do exagerado número de alunos por turma? É que, com muitos ou poucos professores pela frente, serão sempre à volta de 28 meninos a pulular pelo espaço da aula. E, mesmo no 1º ciclo, há demasiadas alminhas por sala. É frequente, nos dias que correm, um aluno do 5º ano de escolaridade não saber ler e, por consequência, apresentar gravíssimas dificuldades em escrever mais do que o nome próprio.

Estamos perante mais uma operação de cosmética para disfarçar os furúnculos na ponta do nariz.

O Estado não tem capacidade de resolver com eficácia os problemas com que se depara e opta pela contenção orçamental como se isso fosse uma espécie de varinha mágica. Seja no caso do realojamento social ou no da organização escolar existe a síndroma da sardinha enlatada. E enquanto continuarmos a resolver os assuntos à martelada as coisas hão-de continuar amolgadas e demasiado tortas.

terça-feira, julho 15, 2008

O melhor lugar do mundo


O melhor lugar do mundo é esse aí em cima. Belo de tão enigmático e profundo como a sua ausência. Quando lá vou sinto-me como se estivesse em casa. Por vezes penso mesmo que seja em minha casa. Mas talvez não seja. Talvez não exista. Talvez seja exactamente igual a todos os lugares onde é melhor estar do que estar ali. Serenamente obscuro. Grandioso. Negro.

Viva Banksy!!!



Banksy é um misterioso artista de rua. A sua identidade tem sido resguardada da curiosidade mediática ao ponto de a vaga possibilidade de ter sido descoberta constituir notícia.

Tenho uma profunda admiração por este grafiter anónimo. Não é só a qualidade plástica dos seus stencils que me fascina, é também o facto de se assumir como uma sombra num mundo de vedetas vazias sempre em busca das luzes dos holofotes que o faz merecer a minha admiração.

A fazer fé nas notícias que têm vindo a público nos últimos dias, Banksy será um tal Robin Cunningham, um Robin Hood da arte contemporânea que nos tem oferecido algumas das imagens mais críticas e interessantes do mundo que nos rodeia.

Seja ele quem for é um artista enorme com lugar assegurado nos compêndios que estejam a ser elaborados. Banksy é o protótipo do artista urbano e, até ver, o mais criativo e influente dos artistas contemporâneos. Por muito que isso custe aos críticos de arte frequentadores de vernissages e escrevinhadores de textos melífluos para publicar em suplementos dominicais.

Viva Banksy!!!

Segue as hiprligações...

segunda-feira, julho 14, 2008

Caramba!!!

Ontem foi noite de ida ao cinema em grupo familiar. Esposa, filha e sobrinha acompanharam-me (ou foram por mim acompanhadas) numa incursão cinéfila sem grandes expectativas. Quer-me cá parecer que a ida ao cinema foi mais porque estávamos juntos, um pretexto para mantermos a agradável proximidade, do que por estarmos impacientes para assistir a este "O Orfanato" realizado pelo catalão Juan Antonio Bayona.

É disto que eu gosto. A surpresa total, o impacto inesperado de uma bofetada com luva branquinha de cetim, mais carícia que agressão. O filme revelou-se excelente a todos os níveis.

Seja o argumento, a realização, a montagem ou o som, seja o que for é bom. A interpretação da personagem principal pela actriz Belén Rueda é o toque de classe final para um filme quase perfeito com Geraldine Chaplin a entrar em cena de mansinho e de costas, qual Nosferatu "murnauiano".

Entre o filme de terror e o drama familiar, a narrativa cresce e revolta-se contra si própria, dá cambalhotas e descansa em planos silenciosos interrompidos com súbito estrondo de fazer o espectador saltar na cadeira. Literalmente. Enfim, como de costume não sou eu que me vou alongar na descrição do enredo, não saber nada sobre o que se vai passar é um condimento importantíssimo para se poder desfrutar em pleno deste filme com um final cor-de-rosa sangue.

Absolutamente a não perder!

Na noite de 9 do corrente assisti a este Stabat Mater e, caramba, que espectáculo! Maria João Luís rebenta com as costuras da representação teatral num monólogo perfeito com o dedinho maroto de Jorge Silva Melo na encenação. O espectáculo, integrado no 25º Festival de Teatro de Almada, teve lugar no São Luís, em Lisboa. Um espaço agradável, uma representação de outro planeta e uma ovação estrondosa a fechar uma noite de teatro memorável.

Caramba!!! Tanta qualidade em tão pouco tempo ainda acaba a provocar-me alguma overdose de prazer inteligente (!? que raio quer isto dizer!?) mas se tiver que ser, seja! Overdoses assim não devem fazer grande mal à barriga.

domingo, julho 13, 2008

Voltando à vaca fria


No Público deste Domingo surgiu um artigo de Vítor Belanciano que acima se reproduz (clicar sobre a imagem dará uma leitura bem mais eficaz e agradável).
Retoma-se a performance dos Corredores na Tate Britain, a tal obra de arte que põe uns tipos de sapatilhas e camisa de alças a correrem de um lado para o outro nas galerias asseadinhas e assépticas da dita Tate. Será caso para os visitantes poderem afirmar terem visto passar uma obra de arte a correr por eles, ao invés do que é habitual.
Como é costume nestas ocasiões reabre-se a velha questão: "O que é Arte?" que traz sempre colada a mais actual:"Quais são os limites da Arte?". Desde logo me parecem ser questões mornas e bizantinas, capazes de proporcionar debates infinitos com belos e garbosos argumentos esgrimidos de um lado e do outro, com alguns, menos definitivos, a encolherem-se no meio da refrega. Coisa para quem tenha a devida paciência.
Aproveito a deixa para partilhar com o paciente leitor uma ideia que me assaltou o espírito no Sábado passado, enquanto arrastava as sandálias pelas galerias do Museo de Bellas Artes de Sevilla.
Tal como todas as instituições respeitáveis que se dedicam a proporcionar ao povo um vislumbre sobre obras com inegável valor artístico o Museo de Bellas Artes segue uma linha cronológica. Funciona como uma espécie de comboio. Entramos no primeiro apeadeiro e seguimos viagem. Idade Média, Gótico, Renascimento, Barroco, etc. sempre em frente, até chegarmos à última paragem. Descemos, saímos do Museo e, voilá, estamos de regresso ao momento actual, no mundo contemporâneo. Para trás ficou mais uma corrida, mais uma viagem. Como tantas outras em outros tantos Museos (ou Museus, ou Museums, ou Musées) por esse mundo fora.
Fica-se com a sensação de que se passou qualquer coisa entre um déjà vu e uma coisa mais ou menos diferente de tão semelhante à que acabamos de experimentar. Mas não há que temer nem guardar sombra de dúvida, assistimos a um desfiar de verdadeiras obras de arte já que estão ali expostas ou penduradas. São objectos validados pela instituição museológica, como refere Belanciano no seu texto, e mais nada. Apesar de algumas pinturas serem medíocres e outras tão más que até dói olhá-las de frente, se estão no Museo então não há que duvidar. A questão da qualidade é lateral.
Já um corredor a passear as sapatilhas nas galerias de Tate Britain, mesmo sem ver, coloca dúvidas ao comum dos consumidores. Mas, bem vistas as coisas, se está na Tate Britain então é um objecto validado! Não há que ter dúvidas quanto à natureza do objecto. Uma vez exposto num Museum é Arte (com "A" dos grandes) e ficamos todos amigos. Não é preciso um curso de História da Arte nem um Mestrado em Arte Contemporânea. As coisas são bem mais simples do aquilo que parecem.
Resumindo e concluindo: se está numa instituição artísticamente respeitável não temos o direito de duvidar da natureza artística de um objecto. Por mais abstruso que ele seja.

quarta-feira, julho 09, 2008

G8, G5 e o resto do mundo



O mapa mostra a distribuição dos países que compõem o G8, os mais industrializados do mundo. Canadá, França, Itália, Alemanha, Japão, Rússia, EUA e Reino Unido são, actualmente, o grupo dos mais ricos e, também, os principais poluidores (responsáveis por 42% das emissões globais de CO2) e consumidores de recursos naturais.

É de notar que todos se situam geográficamente a norte do Equador, em oposição a um hemisfério sul menos industrializado mas não menos rico em recusos naturais.

Junta-se agora um denominado G5 composto por China, Índia, Brasil, México e África do Sul (atribui-se a este grupo 27% das emissões globais de CO2), países que têm vindo a crescer tanto em termos económicos quanto nas suas necessidades de consumo de recursos energéticos.
Os líderes destes países estão reunidos algures no Japão e discutem entre si os problemas que afectam todo o planeta (os restantes países do mundo emitem os 31% de CO2 que faltam nestas contas) dos quais o mais preocupante será o do aquecimento global.

Para tentar minorar este problema é imprescindível tomar medidas urgentes que visem a redução da emissão dos gases causadores do efeito de estufa. Mas alguém acredita que estes predadores de recursos estão na verdade interessados em prescindir do seu sacrossanto crescimento económico em prol do bem estar comum e das próximas gerações?

Como se pode conjugar um discurso assente no crescimento económico e baseado no consumo de recursos enegéticos com o discurso de pendor ecológico que estabelece metas de redução de emissão de CO2? É querer estar de bem com Deus e com o Diabo coisa que, todos sabemos, não só é impossível como nos leva a estabelecer pactos baseados em princípios contraditórios e de ética muito duvidosa.

Sinceramente, o que esta cimeira vem mostrar pela enésima vez, é que o modelo de desenvolvimento actual só pode conduzir-nos em direcção ao precipício do esquecimento. É o hara-kiri da humanidade que estes senhores representam. A China e a Índia estão a crescer de tal modo que, não tarda, criam um G2 que engolirá os G8 e os outros que sobram do grupo a que eles já não deviam pertencer.

O mais triste de tudo isto é que haverá uma série de países do Sul que hão-de passar ao lado da "felicidade" humana. Os vizinhos do Norte encarregar-se-ão de consumir o planeta até ao tutano e eles, a Sul, nunca saberão o que é conduzir um automóvel com um GPS enquanto os miúdos se distraem, no banco de trás, com os seus Game Boy ou, melhor um pouco, as suas Play Station Portable. Nunca poderão desfrutar de um LCD com 190 canais nem de uma bebida fresquinha, acabada de saír do frigorífico, enquanto o aparelho de ar condicionado se encarrega de fazer Inverno no Verão e vice-versa. É esta capacidade de contrariar a Natureza que nos leva, sadicamente, à sua destruição. O pior de tudo é que a destruímos por nada, por mero prazer e satisfação de necessidades artificiais.

Mas não parece haver grande coisa a fazer. Fico com a sensação que a única esperança do planeta é o desaparecimento do modelo de desenvolvimento que caracteriza a nossa espécie actualmente. Um grande desastre, o colapso do actual sistema económico e... buuuum! Os que restarem de nós, recomeçarão a construção de um universo humano diferente. O planeta, se falasse, haveria de concordar com isto. Digo eu, o pessimista.


segunda-feira, julho 07, 2008

domingo, julho 06, 2008

A Pop triunfa!

É um fenómeno. Na minha adolescência era simplesmente impensável ouvir a música de que o meu pai gostava. E vice-versa. Nos gostos musicais residia, aliás, um dos principais motivos de discórdia. É que atrás dos gostos musicais vinham as roupas, os "penteados", a pose e as atitudes. Tudo colidia, tudo fazia as mais incandescentes das faíscas.

Quando a minha filha nasceu imaginei para nós algo do género. Sei lá eu o que imaginei. Uns grupos meio alienígenas, impossíveis de suportar. Via-me com as mãos a tapar os ouvidos em desatino e aos gritos para alguém desligar o som. Mas afinal não.

É um fenómeno. Neste início do século há uma estranha convergência dos gostos musicais entre gerações diferentes. É banal ver famílias inteiras a assistir a concertos de música pop/rock e seus derivados. Os pais trocam informação com os filhos e adaptam-se facilmente aos gostos uns dos outros. É o triunfo da cultura Pop e da máquina mediática que promove o seu consumo.

Lixo

A Ratazana das Botas, colagem em Adobe Photoshop


Volta à ordem do dia a questão da construção de um museu dedicado ao Estado Novo ou mais simplóriamente ao seu cabeça de cartaz, António, em terras da Beira Alta, mais concretamente em Santa Comba Dão.

De imediato se levantam vozes indignadas que gritam impropérios contra vozes vibrantes de júbilo e saudade. Umas vozes soam da esquerda, outras respondem, vindas da direita, e nisto se anda, a discutir uma coisa de somenos, no meu entender.

Querem erguer uma pirâmide para encerrarem a memória da múmia salazarenta? Que ergam. Querem fazer romagens de saudade com os bracitos esticados em saudações nazi-fascistas? Que façam. Para o Santacombadenses será pretexto para abrirem mais uma tasca ou outra, podendo dedicar-se com maior afinco ao seu desporto favorito, a copofonia à desgarrada. Seja tinto ou seja branco uma só palavra de ordem: CHEIO!

Os bêbados lá do sítio terão mais uma razão para se embebedarem, para horror da beatas e dos chefes de família benfiquistas. Todos os salazaristas unidos na vontade de louvar saudosamente a memória do seu santinho mumificado, o Tóino das Botas. Se é isto que o povo lá do sítio deseja, se é com isto que alguns vendedores de sonhos fatelas acenam ao pessoal para desenvolver o turismo local, qual é o problema?

É claro que eu vivo bem longe de Santa Comba e só vou à minha terra natal, Viseu, uma meia-dúzia de vezes por ano. Não terei de aturar a boçalidade perigosa de tudo quanto é skinhead, ávido de encontrar outra razão para existir que não seja a sua estupidez natural, em romaria a esse santuário da mesquinhez pequenina que será, inevitavelmente, um museu dedicado ao Botas. Para os Santacombadenses que sintam náuseas perante o espectáculo degradante dos neonazis em pleno esplendor será complicado. Mas aqui, como noutras situações, deverá prevalecer a decisão da maioria.

Penso que um museu dedicado ao Ministro-Sopeira não dará muito mais que uma tasca infecta com "nacionalistas" gordos e tatuados a mijarem contra as paredes enqunto entoam hinos à estupidez humana. Se é isso que Santa Comba deseja que o tenha. E lhe faça bom proveito. Afinal de contas é sempre doloroso mas necessário decidir onde localizar os aterros sanitários destinados a despejar o lixo. Neste caso o lixo da memória recente de Portugal.

sábado, julho 05, 2008

Uma história de abutres

O mundo está mesmo a andar às voltas e, de quando em vez, damos por ele de cabeça para baixo. A recente notícia de que há abutres a atacar animais vivos na Beira Baixa mostra como anda tudo às avessas.

Será por falta de alimento que os ditos abutres se atiram a ovelhinhas indefesas ainda perfeitamente vivas. Era suposto comerem apenas carcaças de animais mas, ao que parece, vão faltando bichos mortos em número suficiente para alimentar a pandilha voadora em questão. Vai daí dão uma valentes bicadas em animais que não era suposto servirem-lhes de alimento, deixando-os em mau estado de conservação.


Os produtores queixam-se de muitos mais ataques do que aqueles que as instituições de amiguinhos dos animais estão dispostas a aceitar. O que também não é assim lá muito estranho mas dá para perceber que mesmo com coisas de bichos há sempre duas partes que divergem grandemente nos números apresentados. É como quando há uma greve. Governo e sindicatos apresentam números tão díspares que nem dá para acreditar. Aqui serão os números de bichos atacados pelos abutres a não coinciderem conforme se é a favor ou contra a manutenção da frota "abutrícola" em condições operacionais.


Nesta pequena fábula pouco exemplar coloca-se ainda a questão dos alimentadores para a bicharada necrófaga. Ao que parece há por aí um ou dois locais onde os amigos dos abutres vão atirar umas carcaçazitas de vez em quando para saciarem o apetite da passarada. Insuficiente, dizem os amigos que o Estado (sempre o Estado) deveria contribuir com maior convicção nos esforços a desenvolver para garantir a sobrevivência dos abutres beirões.


Compreende-se que os reponsáveis do Estado não estejam interessados nesta actividade que, além de pouco edificante (alimentar abutres com cadáveres? Brrrr, causa arrepios) toda a gente sabe que não é boa política incentivar a existência de grupos rivais.

sexta-feira, julho 04, 2008

A águia americana tem problemas...


Ao que parece o filme Hancock, com Will Smith no papel de um super-herói bem ao estilo americano mas que usa os super-poderes em adiantado estado de alcoolemia, está a causar alguma perplexidade na crítica lá dos states. (ler aqui)


A ideia base é excelente e as cenas de acção que abrem o filme com um super-homem preto e andrajoso a voar aos esses com uma ressaca de meter medo, prometem. E as promessas são cumpridas. Numa América que, ao que tudo indica, se prepara para eleger o seu primeiro presidente pouco branco de pele, a primeira cena com Hancock tem,em fundo, uma publicidade qualquer com uma águia e uma frase da qual vemos apenas a palavra "dream" e depois "your dream". Significativo, também, o facto de os vilões que abrem as hostilidades serem um grupo de asiáticos que se deslocam numa carrinha aos tiros na auto-estrada. Tudo muito Big America on the Way.


O desenvolvimento do argumento leva-nos, de súbito, numa direcção inesperada. Não vou estar aqui a contar pormenores, detesto isso, mas posso dizer, sem revelar nada de fundamental,que o filme tem dois finais. O primeiro final, em que tudo parece definitivamente perdido, é muito bom. Negro como a noite. Tão negro que custa a acreditar que um filme de bilheteira acabe daquela forma. E não acaba, embora eu tenha ficado com a sensação de que o argumentista se daria por satisfeito caso pudesse ter fechado ali a narrativa. Mas isso seria um desastre em termos de receitas de bilheteira lá nas terras do Tio Sam.


Avança-se para o final feliz, bem mais ao gosto do grande público e a coisa perde um bocado o seu espírito. Mas como, nos tempos que correm, compreendemos perfeitamente que se tomem certas atitudes para ganhar mais uns cobres, acabamos com um sorriso nos lábios por percebermos a evidência de um final alternativo para não defraudar os comedores de pipocas.


Resumindo e concluindo, Hancock reinventa e retoca alguns estereotipos do filme de super-heróis com uma frescura e um humor que o tornam um objecto de consumo de alguma qualidade. Apesar de um ou outro momento em que os movimentos de camâra me irritaram um bocadinho, posso dizer que em cinco estrelas daria três sem pestanejar. Três e meia, vá lá, mesmo quatro, se não lhe tivessem metido aquele segundo final que, ainda por cima tem uma águia apenas para enfeitar. Uma águia americana com problemas existenciais e muitas dúvidas sobre o que fazer perante situações de crise extrema.


A ver.

quarta-feira, julho 02, 2008

Época de home video

Esta é a época do ano em que costumo ver em casa os filmes que fui falhando ao longo dos últimos meses nas salas de cinema. Anteontem vi Bewoulf e 3:10 to Yuma e ontem O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford.


Beowulf é uma história de aventuras com monstros e heróis lendários realizado por Robert Zemeckis numa estranha e hipnótica técnica de animação que parece sobrepor uma espécie de desenho a filmagens realizadas com os actores "reais". O resultado é interessante (pelo menos é curioso). Vê-se bem.



3:10 to Yuma recupera um western meio esquecido realizado em 1957. Os western actuais têm uma característica interessante. São filmes a cores mas a paleta é limitada. Dominam os tons castanhos-terra, cores quentes com vermelho na composição e o único amarelo vivo é o das explosões. O resultado é bastante sombrio e introspectivo e muito mais realista que os velhos filmes de John Ford com a sua technicolor vigorosa.

Cores à parte, este 3.10 to Yuma é um filme interessante, com personagens bem desenhadas (principalmente a interpretada por Christian Bale, na imagem) e que se vê com agrado do primeiro ao último minuto.



O Assassinato... é o menos comercial dos três. trata-se de um western melancólico que incide na caracterização das personagens e aposta num ritmo narrativo denso e, por vezes, complexo. Isto leva a que alguns críticos olhem o filme com aqueles olhinhos vesgos que tantas vezes têm e que julgam ser olhos de águia quando, na realidade, são mais tipo olho-do-cú (ver uma crítica aqui). Lendo esta crítica ficamos com a sensação de se tratar de um filme intragável quando, na verdade, o que é impossível de tragar é uma opinião tão tacanha e imbecil como a que nos é proporcionada por este tal Eurico de Barros que, ainda por cima, se deslocou a Veneza para assistir in loco à estreia no festival de cinema da cidade.

Uma excelente fotografia aliada ao tal universo cromático pouco exuberante (ali em cima esqueci-me de referir o azul do céu enquanto personagem importante nestas narrativas sobre um território imenso e os seres humanos que o ocuparam ao longo do século XIX) e uma história com narrador de voz tristonga, fazem de O Assassinato... uma filme diferente do habitual dentro do género.

Resumindo, 3 filmes bem interessantes que podem proporcionar umas horas bem passadas em frente de um écrã de televisão. A tecnologia ao serviço do ócio em grande estilo!


terça-feira, julho 01, 2008

Corredores

clicar na imagem permite a leitura da legenda


Um tipo a correr pelas galerias de um museu. É uma ideia assim tão estranha? Talvez não. É como animar uma estátua (neo)clássica dando vida à matéria inerte, uma espécie de Pinóquio corredor. Ou então é uma forma de reflectir sobre o modo como os turistas culturais consomem os espaços e objectos artísticos em verdadeiras maratonas visuais. A correr, literalmente.


Trata-se de uma instalação de Martin Creed, um artista galardoado com o Turner Prize em 2001, embora aqui o conceito de instalação seja bastante largo. A coisa dá-se na Tate Britain em Londres, instituição mais do que respeitável mas que, à boa maneira britânica, abre as suas portas a ideias menos convencionais de produção artística.


Segundo a nota do Público que acompanha a foto acima reproduzida, "a Tate recrutou 50 atletas semiprofissionais, que recebem 10 libras por hora para correr como se não houvesse amanhã."