quinta-feira, janeiro 31, 2008

Rauschenberg em Serralves




É uma mostra cruel. O visitante desprevenido encontrará decerto muitas razões para maldizer a hora em que decidiu meter a testa a caminho do Museu de Serralves. A exposição ROBERT RAUSCHENBERG: Em viagem 70-76 (http://www.serralves.pt/actividades/detalhes.php?id=1008) é pouco fácil de engolir e, no entanto, com um pouco de sorte, pode transformar-se num requintado pitéu. Foi o que acabou por acontecer comigo, personagem normalmente avessa a expressões artísticas mais conceptuais e menos habilidosas sob o ponto de vista do manuseamento dos materiais, dei por mim a criar uma estranha empatia com o universo criativo do amigo Bob Rauchas.

Os objectos expostos, na sua maioria, encerram mundos plenos de significados e, graças à magia da re-equação e da re-utilização, ali surgem no digníssimo espaço museológico daquele edifício de Serralves. Dei por mim a olhar para um cartão exposto na parede a recordar pinturas românticas e, perante a sua aparente nudez, a cor amarelenta dos anos passados, os cortes, os pedaços de fita-cola, as indicações impressas, a encontrar significados e narrativas que estranhamente se formavam no meu cérebro, ali assim, sem aviso nem razão que pudesse ter previsto. Houve um quase fenómeno de Revelação. Faltou pouco para tanto.


Outros momentos houve em que estabeleci contacto. Por uma vez senti claramente a pedra-de-toque conceptual em que o objecto e o espectador completam a obra do artista, mero mestre de cerimónias, encarregue de nos apresentar um ao outro. Valeu a pena. Gostei.

terça-feira, janeiro 29, 2008

"Addio, Adieu, Auf Wiedersehen, Goodbye."


A remodelação do governo acaba por soar a anedota. Na verdade qualquer remodelação seria sempre anedótica uma vez que, para melhorar a prestação do nosso actual executivo, Sócrates teria de mandar sair todos os seus elementos apagando ele próprio a luz antes de fechar a porta.

Segundo o portal do governo http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT os ministros enxotados terão pedido para os porem a andar por sua própria iniciativa. Talvez seja verdade. Mas as mentiras destes governantes são tantas e tão comuns que custa a acreditar. Não prestavam para a função foram embora. Enfim. Não me parece que fiquemos particularmente melhor. Sócrates está sempre a afirmar que não há políticas de ministros mas sim políticas do governo. Ora, se isto for verdade, fez-se o necessário para que a mudança deixe tudo exactamente na mesma.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

... outro filme

Hoje fui ver este "Sonho de Cassandra". Na verdade a nossa intenção era assistir ao filme "Expiação" mas um avanço de 15 minutos atirou-nos (a mim e à Ana) para uma sala próxima onde iria passar esta realização de Woody Allen, a mais recente.
Tal como proponho no post anterior, não ver um filme por ser com este ou aquele actor de quem não gostámos em algum momento pode levar-nos a perder algo interessante, também o inverso acontece com frequência. Eu explico: ir ao cinema ver um filme só porque é realizado por um artista de quem temos boas referências pode deixar-nos um amargo de boca tão grande como escolher esse filme porque lemos uma excelente crítica sobre ele e, no final, não conseguimos compreender porque raio foi tão bem criticado. Ou seja, ver cinema é um acto arriscado a menos que estejamos na disposição de ler tudo e mais alguma coisa em jornais e revistas da especialidade, por forma a limitarmos as hipóteses de apanharmos uma valente seca lá na fila G, lugar 18, ou outra coisa do género. Também não sabia nada sobre este filme. Nadinha, absolutamente. Guardava apenas uma vaga memória de ter visto poucas estrelas num daqueles quadros com classificações dos críticos do Público. Mas talvez fosse em relação a outro filme... talvez! Agora parece-me que a escassez de estrelas bem se poderia aplicar a o "Sonho de Cassandra".
Trata-se de um filme crú e estranhamente incomodativo com um elenco de luxo, mesmo nos papéis mais insignificantes. Talvez o Ewan McGregor seja o menos brilhante de todos por não conseguir ultrapassar o estereótipo de si próprio que tão bem funcionou em "Trainspotting". Talvez seja a direcção de actores que cria algumas cenas tão estranhamente realistas, a mãozinha marota de Allen a fazer das suas. Talvez tenha sido isso que, no final, me deixou tão assarapantado, sem saber bem o que pensar (ou sem pensar, apenas?). O filme é uma espécie de soco nas costelas. Não é que doa muito, apenas nos deixa a coçar o lombo sem percebermos bem porque razão é que fomos socados.
Resumindo, caríssimo leitor ocasional, se estiveres com disposição e já tiveres ouvido falar de um tal de Woody Allen, não hesites muito. Faz o que muito bem te der na real gana!

Um filme...

Quem seja capaz de não ver um filme porque é protagonizado por fulano ou realizado por sicrano, poderá muito bem encontrar assim um pretexto válido para não ver este "Eu sou a lenda". Quem não estiver assim tão intoxicado por uma certa intelectualite, que faz pior do que bem, pode arriscar-se a ver muita coisa diferente, de vários géneros e formatos, produzida em países distantes uns dos outros, etc e tal, o que quer que seja. Pode arriscar-se e ser surpreendido. Para que a surpresa aconteça é essencial não ler críticas ou ver trailers do filme antes de entrar na sala escura. Só assim a sala será verdadeiramente escura e a aventura proposta no écran poderá levar-nos a entrar nela.
Consegui manter-me o mais desinformado possível acerca deste "Eu sou a lenda". Houve quem não resistisse a referir-me uma certa e determinada cena dramática à brava, o suficiente para que, quando a cena passou perante os meus olhos, eu tenha ficado mais indiferente do que o realizador poderia esperar. Se não me tivessem falado naquilo (e não me descreveram a cena, apenas a destacaram no que diz respeito ao seu potencial dramático) eu teria experimentado uma emoção bem mais plena. Digo eu.
Já vi o filme no fim-de-semana passado e só hoje me refiro a ele aqui no 100 Cabeças porque voltei esta tarde ao escurinho do cinema para ver outro filme, de que falarei mais adiante, noutro post. Mas o que quero eu dizer acerca deste "Eu sou a lenda"? Que me pareceu um filme bem imaginado e bastante honesto nos seus propósitos. Apesar de um ou outro momento em que a coisa parecia ir perder o pé, lá se consegue assistir com interesse até ao final que acaba em tonalidades mais... ai, ai, ia dando uma pista sobre a forma como termina a narrativa e, longe de mim tal ideia, não quero fazê-lo de forma nenhuma.
Ah, só para terminar, Will Smith safa-se mesmo bem na função que desempenha nesta película. Quem se lembra dele da série "O Princípe de Bel-air" pode desenvolver anticorpos e preconceitos relativamente ao actor. A série tem para aí uns 18 anos e ainda há quem desconsidere o rapazola pelas cenas parvas que aí protagonizava. Se bem me lembro ainda me fez rir algumas vezes. Pronto, pronto, pelo fez-me sorrir muitas vezes. Disso tenho eu a certeza. Desta vez nem por isso.



domingo, janeiro 27, 2008

Notas

O "Retrato de um Homem", de Antonello de Messina, é de uma perfeição técnica tão grande que é quase impossível acreditar naquilo que nos entra pelos olhos. A cobertura uniforme da superfície, o brilho incomparável das tintas e das cores, absolutamente excepcional!
O que importa é o significado. A técnica que usamos não é mais do que uma dificuldade, um empecilho a ultrapassar. Uma vez dominada, a técnica transforma-se num meio de transporte que nos leva em velocidade de cruzeiro por uma auto-estrada de seis vias ou mais. Sempre a abrir! Mas, para que a viagem não se torne enfadonha, teremos de ter algo a dizer. Pessoalmente não acredito na abstracção pictórica enquanto forma de acção interventiva. Por vezes não consigo evitar pensar que a abstracção em pintura é uma espécie de masturbação com uma multidão de amantes potenciais que asssitem ao acto. Uns mais interessados, outros nem por isso. A pintura pode ser muita coisa muito diferente mas, se tivermos algo para dizer, dizemos. Se não temos nada para mostrar além do nosso umbigo, então basta levantar a camisa.
Apontamento perante a pintura que ilustra este post, na National Gallery de Londres em Agosto de 2006




sexta-feira, janeiro 25, 2008

Ai, caraças!!! (um sonho)

pintura de Honoré Daumier, o incomparável!!! http://www.daumier.org/1.0.html


A grande arte não é arquitectura, nem pintura, escultura, bailado, música ou literatura. A grande arte é outra coisa mais difícil de resumir numa palavra só. É muito mais abrangente e complexa de tão particular e universal em simultâneo. A grande arte é a vida. A vida de cada um e o conjunto que resulta do viver com os outros. A grande obra é a construção infinita da vida social, o divino trabalho de construir o mundo. Um mundo onde o belo seja irmão do justo, ética e estética unidas na imagem final de uma sociedade livre e libertadora!



Ai, caraças!!! Virei-me para o outro lado e fui apoiar um olho nos óculos esquecidos sobre a travesseira. Já nem me lembro que porra estava a sonhar. Nem isso interessa. Pela cara da minha filha devia estar a ressonar como uma locomotiva a carvão. O costume.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

A "A"rte não presta para nada (nem sequer para coisa alguma)


A Arte, assim escrita com "A" grande e pomposo, é coisa que não faz sentido. O "A" afasta a coisa da gente. Faz do Artista um gajo estranho quando podia ser mais simplesmente um artista, com um "a" destes. Sempre que um simples "a"rtista se arvora em "A"rtista, temos o caldo entornado e entramos num caminho sinuoso que leva frequentemente a becos sem saída nem horizontes. É como se enfiássemos a cabeça num saco de plástico opaco que serviu para transportar um quilo de sardinhas. Cheira mal e vê-se pouca coisa. O "A"rtista é um produto da sociedade de consumo, um excedente da vacuidade gerada pela perspectiva do lucro fácil e desmedido. Nem Picasso escapou (ele que foi um dos maiores "a"rtistas de todos os tempos acabou a brincar aos "A"rtistas). Salvador Dali, por exemplo, foi um miserável "A"rtista. Em oposição, e para clarificar o que quero dizer com esta patranha toda, Van Gogh foi o maior dos "a"rtistas. Está claro? Talvez esteja, o que é que isto interessa afinal?

Na minha óptica pessoal e particular interessa se quisermos clarificar o que é um artista, simplesmente, sem "A" nem "a" a rotular as personagens e, mais interessante (talvez mesmo mais importante), se quisermos clarificar o seu papel no teatro social. Um artista deve reflectir sobre o mundo que o rodeia na tentativa de influenciar uma mudança de perspectiva nos espectadores que contactarem a sua arte. O artista não se limita a lamber o umbigo, isso é coisa de "A"rtista.
Eu sei que isto soa a coisa do passado. Soa a realismo oitocentista, artistas engajados, utopias socialistas, operários miseráveis e capitalistas barrigudos de cartola e havano ao canto da boca. Sei que isto soa a coisa gasta, moralismo barato e barba por fazer de propósito para parecer um gajo de esquerda. Pois soa. Pois é. E depois?

segunda-feira, janeiro 21, 2008

A revolução da Imagem


Tenho a convicção de que o Cristianismo na sua vertente católica chegou ao que é hoje, precisamente graças ao trabalho de gerações sucessivas de artistas que se encarregaram de tornar visível a Palavra dos evangelhos através da pintura mural, da escultura e da ilustração de manuscritos. As primeiras de carácter mais popular e universalista, a ilustração orientada para um público mais exigente e erudito.
Aliada ao poder encantatório do espaço arquitectónico das basílicas e das catedrais, a Palavra tonitruante dos pregadores dos primórdios da igreja, tornou visível os fundamentos da Fé, deu uma forma tangível ao Paraíso, inventou o Inferno e retratou com igual pormenor Deus e o Diabo.
É difícil para nós imaginar o poder avassalador que uma igreja teria sobre as populações escravizadas da Europa Medieval. À miséria das cabanas contrapunha o fausto do edifício em pedra. À ausência de imagens no quotidiano oferecia todo um mundo visual complexo e magnífico, narrando com clareza e eficácia os episódios mais oportunos para a evangelização das hordas de analfabetos que a ela acorriam na esperança de vislumbrarem uma luz que lhes justificasse a existência.
A igreja católica é, assim, um caso de sucesso de campanha mediática. Enquanto foi a única instituição com capacidade para encomendar e promover a criação artística, esta igreja dominou por completo o mundo Ocidental.
Com o século XX assistimos ao declínio definitivo desse monopólio. Ao triunfo da sociedade da informação corresponde a perda de influência da igreja católica sobre as orientações de vida e principais aspirações das populações europeias. O centro comercial substitui a catedral nos Domingos das famílias. A missa já não encanta os jovens que preferem um palco com estrelas Pop a um altar com a imagem de Cristo, que entoam em coro cânticos profanos com muita mais naturalidade que cânticos litúrgicos. A divindade toma a forma mais prosaica do dinheiro e das coisas que ele permite obter.
Não será fácil para a igreja romana retomar um papel determinante no mundo das imagens. Digamos que lhe está reservado um “nicho de mercado” neste campo, nada mais. É que, tal como os actuais Taliban, também a igreja, nos seus primórdios, revelou “uma tendência satânica para o irreparável” ao promover a destruição e mutilação de tantas obras de arte “pagãs” e mesmo de inspiração evangélica.
E, como diz o povo, “O que torto nasce, tarde ou nunca se endireita”.


Texto de 2001 retirado de carta ao Director do jornal Público

sábado, janeiro 19, 2008

Fumar confunde!

"A lei do tabaco é clara nos seus objectivos mas é de leitura reconhecidamente difícil." Esta afirmação de Francisco George, director-geral de saúde por estas bandas, mostra bem o que é uma lei em Portugal.
Não é apenas esta lei a permitir interpretações sectárias. Cada cabeça sua sentença; uma leitura feita em determinada perspectiva acaba por encontrar, com toda a nitidez, autorização para o que se deseja e proibição daquilo que se não gosta. Entretanto anda tudo maluco e confuso. Que se pode fumar se, que não se pode nunca mesmo que ou então que há tantas excepções quantas as necessidades excepcionais. Uma choldra!
Todos os dias o Sr. Francisco George aparece em conferência de imprensa a esclarecer, corrigir e ajeitar um pouco mais a leitura da famigerada lei. Mas ninguém se entende, a começar por ele. O texto de uma lei pode ser assim tão confuso e propenso às mais díspares interpretações? Pode. Então como será possível aplicar a lei? É virtualmente impossível e assim ficamos à mercê dos agentes da "autoridade" que uns dias multam, outros nem por isso ou pode ser que nos façam o jeito. É assim, fazendo leis absurdas, que se destrói um Estado de Direito e a confiança nas instituições (que deverá ser a base de uma sociedade democrática) pura e simplesmente não existe.
Não me lembro de ler ou ouvir qualquer notícia sobre uma condenação em tribunais portugueses que não acabe com a informação que o advogado do condenado vai recorrer ou já recorreu da sentença. Ou os juízes são uma cambada de incompetentes mal intencionados ou o nosso povão é uma verdadeira legião de anjinhos incompreendidos.
Entretanto e por enquanto o melhor mesmo é fumar no meio da rua. Isso ainda não é proibido... acho eu!

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Se fosse um poema era mais ou menos assim, como não é, é assado

Não há nada a fazer.
O Estado são "eles".
Cada dia que passa esvaziam a Democracia de sentido.
Um pouco mais, cada dia, todos os santos dias da semana.
E nós, balindo, assistimos impávidos e quase serenos.
De patas atadas, amontoados na camioneta que se desloca em direcção ao matadouro.
Na melhor das hipóteses sairemos apenas tosquiados, com a garganta inteira e arrumadinha no seu lugar.
Muda e queda.
A garganta.
A Democracia.
A ovelhinha.

Se falar a gente ouve!


Segue-se texto de Luís Miranda constante em e-mail depositado aí por várias caixas de correio virtual. Refere-se a uma espécie de colóquio ou lá o que é aquilo que iremos apresentar dia 25 do corrente, no Museu da Cidade, em Almada. Fica o convite a todos os interessados (ou não).

"A arte fala?"

O Berardo e a Paula Rego à esquina

Amigos, conhecidos, vizinhos, pessoas atentas, gente das artes, almadenses, público em geral Vamos realizar um colóquio, dia 25 de Janeiro, 6ª feira, às 21,30h, no Museu da Cidade com o tema "A arte fala?". A partir da apresentação de um conjunto de imagens faremos uma viagem pela arte ocidental desde a antiguidade clássica até à época contemporânea. Pretende-se conversar com a assistência sobre a clareza ou opacidade das formas, sobre o seu processo de significação, o processo de atribuição de sentido à arte, em geral, e sobre a sua importância para a vida nas sociedades contemporâneas.Este assunto parece o "mito do eterno retorno", uma discussão batida e conhecida, mas continua a ser pertinente pois surge sempre quando as pessoas (incluindo os agentes culturais, os "artistas" e os artistas) se dispõem a pensar e a conversar um pouco mais a sério, quando referem ou estão perante os objectos de arte. Estes parecem ser sempre umas coisas estranhas que não querem ser dominadas e entendidas, até que o discurso se debruce sobre elas e, mesmo assim, permanecem num estado estranho, do qual desconfiamos.Será que os objectos de arte, principalmente os contemporâneos, se destinam ao comércio de luxo, não dizem e não fazem nada de importante e são resultado dum mundo desvairado e consumista? Será que são adereços da diferenciação social e de actos públicos de representação dos grupos sociais? As pessoas gostam, mesmo, mesmo, daquelas coisas, ou..?

O Berardo e a Paula Rego encontram-se à esquina do CCB, bebendo um copo de tinto frente à última aquisição do museu. Conversam sobre quê? E nós, no dia seguinte face ao mesmo objecto, sobre que assunto falaríamos?

"A arte fala?" (versão "Hard-Core")

Pessoal, vamos pegar nessa coisa da arte, despi-la, arrancando-lhe os véus com gestos precisos, colocá-la em cima duma mesa, chicoteá-la até a espremermos toda. Depois de satisfeitos, embrulhamo-la em plástico transparente, encafuamo-la num recanto do museu, dentro de uma vitrina, e fica lá exposta.Nunca mais nos chateará!

"A arte fala?" (versão de bolso)

O homem bem vestido, com um fato Armani e ténis de pelica da Nike, pretos, dirigiu-se ao parque. O sol estava a enfraquecer e os seus raios pintavam tonalidades de verde amarelado nos pinheiros mansos. A calma parecia construir um momento mágico, irreal. Ouvia-se a cidade ao longe ronronando como um grande motor incansável, mas ali, naqueles caminhos de terra avermelhada que sobressaíam junto à relva fofa, entrava-se num mundo à beira do sonho. O homem fixou os ponteiros do seu Rolex e reparou que eles andavam mais devagar. De súbito, num momento de inspiração, pegou no telemóvel e decidiu registar uma imagem daquele momento, para colocar como fundo no seu portátil. Lembrou-se que tinha estudado fotografia na universidade e pensou que o momento merecia um enquadramento notável, fora do comum. Estaria aí a representação daquele momento em que o tempo apresentava a sua lentidão. Ao procurar o que fixar na máquina, deparou-se com aquela imagem arrasadora. A estátua em estilo grego clássico que olhava o horizonte com uma expressão serena, como se sempre ali estivesse estado, esperando por ser encontrada. Os últimos raios de sol, ofereciam-lhe uma cabeleira ruiva, acentuando os contrastes do panejamento, animando o corpo de pedra numa sensualidade inaudita, quase insuportável. O seu rosto irradiava uma luz cálida que se lhe dirigia. A boca de lábios carnudos pareceu mover-se, articulando uma palavra sussurrada. Arrasado pela visão, ora celestial, ora demoníaca, sentou-se no banco de madeira e encurvou-se sobre si próprio, escorregando-lhe o telemóvel no abandono da mão.Descobriram-no no dia seguinte, adormecido e meio nu, pois tinham-lhe roubado as roupas durante a noite, com uma expressão indefinida.Nunca se soube o que a estátua sibilara, porque o som se colou a uma brisa que se desfez durante a noite.Na cabeça do homem ficou sempre a dúvida: ela falou?

Estas coisas podemos nós conversar no Museu da Cidade, lá no princípio da noite de 6ª feira (21,30), 25 de Janeiro.É uma parceria entre o F4, a Anselmo e o Museu da Cidade e está sendo preparado pelo Rui Silvares, pela Helena Cruz e pelo Luís Miranda.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Filosofia de trazer por casa


A Realidade é uma coisa esquisita. Há quem pretenda encontrar-lhe um parentesco próximo com a Verdade (há mesmo quem diga que já foram casadas mas acabaram por se divorciar). No entanto, talvez por continuarem tão esquivas como o próprio Deus, Verdade e Realidade não são vistas com frequência. Quer dizer, toda a gente fala delas, mas ninguém parece tê-las avistado sequer, quanto mais conhecê-las. Verdade e Realidade são como o monstro de Loch Ness ou o Abominável Homem das Neves. São bruxas que voam montadas em vassouras que não servem para varrer o chão. Acredita-se que existam mas dificilmente se comprova essa existência. O problema, ao que parece, prende-se com os nossos sentidos e a maneira como as apreendemos. É comum e perfeitamente natural que, perante a mesma situação, o mesmo facto ou fenómeno, duas pessoas diferentes constatarem verdades que não coincidem nem na forma nem no conteúdo. Assim sendo a possibilidade de existência da Realidade sofre uma distorçãozita. A coisa estremece, os contornos do mundo esbatem-se. Mas só um bocadinho. Se não enchêssemos tanto as nossas bocas com Verdade e Realidade, se não tentássemos de forma tão atrevida pretendermos ser íntimos de tão esquivas personagens, talvez lhes déssemos oportunidade de existirem um pouco mais. Talvez conseguíssemos vê-las um pouco melhor. Enfim, se a Realidade é difícil de encontrar e a Verdade é uma espécie de puta esquizofrénica, a culpa é nossa, que as tratamos mal e violamos com demasiada frequência. Assim elas fogem constantemente e ninguém assume as culpas de as espantar com tanta facilidade.

É o mundo. O mundo somos nós. Ou pelo menos somos nós que o fazemos (não é nem foi Deus, esse eterno ausente).

domingo, janeiro 13, 2008

Foge!


Há questões que não precisam de uma resposta concreta. Há questões para as quais não convém encontrar uma resposta. São questões que nos fazem pensar e nos levam a debater os assuntos que encerram. Se por azar algum de nós encontra a resposta de uma dessas questões corremos o risco de se dar o assunto por encerrado. Ponto final. Um assunto encerrado tende a ser esquecido, etiquetado, engavetado, desprezado por haver perdido o mistério que lhe dava algum glamour.

Numa viagem o mais interessante não é o momento da chegada como o não foi o da partida. O interesse da viagem residirá no tempo que levamos a percorrer o espaço que divide esses dois momentos e naquilo que nos acontece entretanto. A nós e ao espaço e ao tempo.

Verdade, verdadinha é que o velho Sócrates (estou a referir-me ao verdadeiro e não ao gajo que ocupa o lugar de 1º ministro em Portugal e que muito desmerece o seu nome) ajudou muito à festa com aquela célebre tirada do "só sei que nada sei". Raios, perante semelhante aforismo nada mais há a fazer a não ser debater, discutir, pensar. E fugir das respostas absolutas como o Diabo foge da Cruz.

sábado, janeiro 12, 2008

Esta espécie de coisa nenhuma


Será que para podermos viver em liberdade temos de ter conhecido antes a prisão? Quero dizer, será que os jovens políticos portugueses nascidos após o 24 de Abril de 1974, são incapazes de compreender a vontade libertária dos mais crescidos, sejam políticos ou não? Não me estou a explicar bem; para construir a Democracia será necessário ter vivido antes num regime totalitário?

Ainda hoje há coisas que me comovem até às lágrimas. Por exemplo, cantar a Grândola Vila Morena no dia 25 de Abril ou ver um documentário sobre a Revolução com entrevistas feitas na época onde os trabalhadores revelavam os seus desejos para o futuro. Essas declarações comovem-me por estar hoje a viver esse futuro e constatar como os sonhos de homens e mulheres podem ser tão pueris na sua simplicidade extrema. Desejar uma vida melhor, um mundo mais justo, no qual a riqueza seja melhor distribuída, parece-me agora coisa mais própria de conto infantil para ler na hora de ir dormir.

O hábito de viver em liberdade endureceu os espíritos e, tal como entre os animais selvagens, essa liberdade de tão vulgarizada acabou por gerar e permitir a lei da selva. Para os jovens políticos com 30 e picos liberdade de pensamento é motivo de anedota. Todos eles sabem que não se ganha nada com isso. Pelo menos não se ganha nada com que se possa comprar um apartamento de luxo ou um automóvel topo de gama, logo não interessa. Se um marreta qualquer lhes disser que se ganha orgulho em si próprio e paz de espírito e que isso não há dinheiro que possa comprar o cabrãozinho vai sorrir e fazer de contas que está de acordo. Ele compreende que o marreta vai sentir-se melhor se ele fingir aceitar o ensinamento. O que ele não consegue compreender é o que o marreta lhe está a tentar explicar quando fala em liberdade e paz de espírito. Mas isso não faz mal porque não paga as contas do healthcenter nem dá para mudar de personal trainer.

A dúvida inicial deste post mantém-se. Quando se deu a Revolução eu tinha 11 anos de idade. Na altura não percebi bem o que tinha mudado, ou melhor, não podia perceber o que estava a mudar. No entanto as memórias da miséria e do investimento do poder salazarista no analfabetismo e no embrutecimento do povo português são coisas que até uma criança pode compreender e que o tempo não apaga. Pode um gajo nascer numa sociedade selváticamente consumista e desejar que ela mude e os valores (ou a sua ausência) se alterem?
Portugal mudou imenso e evoluiu extraordinariamente ao longo destes últimos 34 anos. Temos hoje um país livre e uma sociedade vagamente democrática. Até quando?

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Jamais!!! (ler "jamé")

Afinal o novo aerorporto sempre será construído na margem sul do Tejo, esse imenso desrto como tão eloquentemente o descreveu e explicou Mário Lino, palhaço de serviço.
O célebre discurso do deserto, "derivado" da falta de hospitais, escolas e até falta de cidades deste lado do rio tem uma explicação que desculpará o ministro: ele estava nítidamente bêbado quando o fez. Melhor, quando o dito discurso lhe foi caindo da boca. Como baba, como vómito pingão. O mais extraordinário é que este ser vivo ainda mantém o cargo que tão incompetentemente ocupa.
Estamos de rastos!

quarta-feira, janeiro 09, 2008

"Ética da responsabilidade"

Está provado. Para quem ainda tivesse dúvidas, a atitude do primeiro ministro, impondo a ratificação do tratado de Lisboa na assembleia da república, mostra a impossibilidade de fazer coincidir a verdade com a realidade. A verdade é que Sócrates prometera promover um referendo sobre o tratado. A realidade é que não tem tomates para o fazer.
Sócrates, já se sabe, tem a coluna vertebral de uma alforreca corcunda e veio agora inventar desculpas um tanto esfarrapadas para justificar a sua falta de palavra de honra. Ainda por cima fala em "ética da responsabilidade" o que, trocado por miúdos, significa que, no universo mental deste governante, a ética se caracteriza por uma volubilidade lamacenta e é adaptável às suas necessidades particulares. Seria necessário discutir com o 1º ministro o conceito de Valor, coisa que, para ele, pelos vistos não faz grande sentido.
Maledicência e desespero à parte convém frisar que está provado. Sócrates é capaz de tudo até de se intitular engenheiro. Para ele os fins justifcam os meios.

terça-feira, janeiro 08, 2008

O puto e a fatia de bolo

O Presidente da República Cavaco Silva advertiu hoje para o "preço elevadíssimo" a pagar pela UE, em caso de fracasso do Tratado de Lisboa, que só pode entrar em vigor depois de ratificado por todos os 27 Estados-membros.

O mesmo povo que teve clarividência suficiente para eleger Cavaco como presidente da República não terá capacidade para decidir sobre a bondade das propostas do Tratado de Lisboa. Se isto não é um atestado de menoridade intelectual será o quê? Desta forma Cavaco, que está muito longe de reunir as capacidades mínimas em termos culturais e cívicos para ocupar o lugar que ocupa, esclarece-nos sobre a imagem que tem de si próprio. Um povo incapaz de decidir sobre uma questão como a do Tratado de Lisboa só pode eleger um presidente à sua imagem e semelhança.

"Trata-se de um instrumento da maior relevância para a afirmação de uma União mais eficiente e mais capaz de responder aos anseios dos seus cidadãos", considerou Cavaco Silva.

E é Cavaco quem sabe e decide, lá do alto do cadeirão? Ele não consegue perceber que o país não é nenhuma das escolas onde deu aulas e que os cidadãos não são alunos interessados em tirar boas notas tentando agradar ao senhor professor? Pense bem por uma vez, senhor presidente; não estamos à espera que nos avalie, quem está a ser avaliado é o senhor. E, na minha caderneta, está próximo do zero.

O primeiro-ministro, José Sócrates, decidiu propor a ratificação do Tratado de Lisboa por via parlamentar, uma decisão que será comunicada esta noite à Comissão Política socialista. O anúncio oficial será feito amanhã, durante o debate quinzenal na Assembleia da República.

Que Sócrates iria, mais uma vez, faltar à palavra dada em campanha eleitoral já se sabia. A dimensão cívica e humana deste político com nome de filósofo e título de engenheiro fica, mais uma vez, a descoberto.
Temos um primeiro ministro mais volúvel que um miúdo guloso e um presidente da república mais previsível que uma fatia de bolo-rei. O par perfeito!

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Super-Rato

Já toda a gente que tinha de ver este filme o deve ter visto. Faltava eu. Não haverá muito (não haverá nada!) que possa acrescentar a tudo o que já foi dito. Os elogios à extraordinária qualidade da animação de Ratatui são absolutamente insuficientes perante o espanto das imagens. A Pixar melhora a cada novo filme (como é possível fazer sempre melhor que excelente?). A técnica de animação da Pixar cria um universo indescritível e tão credível que o rato Remy poderia ser nomeado para o óscar de melhor actor pela academia de Hollywood. É tudo fora-de-série, excepto o argumento. Ao contrário do que tem sido habitual, em Ratatui, o argumento acaba por ser um bocadinho xaroposo e fica a dever em qualidade a tudo o mais.
Enfim, há sempre uma excepção que confirma a regra. Ratatui prova que a genialidade do costume também pode tremer um pouco.
Resumindo e concluindo: se ainda não viste de que estás tu à espera!?

Em http://www.pixar.com/ podes conhecer ou, mais provavelmente, recordar os 8 filmes da Pixar. Fundamentais para a história do cinema de animação. Verdadeiros clássicos.





Méééééé


A dúvida começa a roer-nos a consciência. Não passa um dia que seja sem haver quem se interrogue sobre os caminhos que vamos pisando. A democracia é isto? Constroi-se assim, desta maneira? A democracia é aquilo? Um modelo acabado com selo de garantia e prazo de validade? Há cada vez mais cidadãos a interrogarem-se sobre a forma como se vai afirmando isto a que chamamos a "construção europeia". As leis. As regras. Os ideais (ou a sua ausência). Tudo parece saído de um mau filme de ficção política. Demasiado burocrático, inacreditavelmente longínquo de nós, como se aqueles que imaginam o futuro que nos espera e as necessidades por ele impostas, vivessem noutro planeta. No planeta Estúpido, ou qualquer coisa do género.

A "construção europeia" actual parece estar a cargo de actores secudários (veja-se o Presidente da Comissão Europeia) pagos para não chatear grandemente certos poderes instituídos e meio obscuros.

Sinto-me tentado a dizer que estamos entregues aos bichos. Que estamos a ser enganados. Que somos apascentados por maus pastores, daqueles que preferem as cabras. Que somos um rebanho de ovelhas ranhosas, assim a dar para o cinzento, capaz de absorver as ovelhas negras e misturá-las nas branquinhas por forma a uniformizar tudo. Os pastores limpam-nos a ranhoca, diligentemente. Tudo fica mais limpo (não mais límpido), mais anódino e com falta de sal. Nem pensar em apimentar a coisa. Isso só pode ser crime!

Lá vai outro


O escritor e crítico literário Luiz Pacheco, que faleceu sábado, no Montijo, vai ser cremado terça-feira, pelas 19:00, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, disse hoje à Lusa fonte próxima da família.

Outubro, 15. Noite em Vieira do Minho friorenta e agitada por pesadelos, incongruências, palpitações. Já de madrugada, O Mensageiro das Trevas aparece-me na cama, agarra-me quase ao colo com os seus dedos de aço nos braços e diz-me baixo, numa voz irónica mas simpática (ou cínica e trocista?): "Ontem (referência, parece, a um sonho meu da véspera, em que me surgira A Morte, com a sua caveira comum, de dentuça à mostra, cara desgraçada!), ontem viste-me com a minha triste cara verdadeira, hoje venho alegre (a face dele era uma máscara apalhaçada, coberta de giz) mas é para te dar uma má notícia, coitado:
AMANHÃ MESMO MORRERÁS!
Acordo aos estremeções, aflito, com uma consciência muito nítida do encontro, e começo por fazer figas debaixo da roupa ao Intruso, mas depois, cheio duma superstição infantil (que me ficou da criança que fui, entenda-se), faço o sinal-da-cruz. E para não tirar as mãos debaixo do quente das mantas, engrolo gestos e palavras mesmo sobre o peito, à matroca, como um aprendiz de catequese faria. Sossego mais. Começo a pensar como morrerei. Desastre? colapso? ou loucura súbita e logo suicida? Adormeço nisto.


Excerto de "O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor" texto completo em http://www.triplov.com/luiz_pacheco/


Afinal de contas Luiz Pacheco morreu sossegado, de morte macaca, na paz de um quase esquecimento apenas agitado por um ou outro aprendiz de feiticeiro interessado em aproximar-se do xaman maior de coisa nenhuma. Fica bem, ó Luiz, que um gajo por cá vai continuar a fumar umas cigarradas e a emborcar uns copos valentes quando der para isso. Pode até acontecer que, de vez em quando, um gajo se lembre de ti e diga uma ou outra fila-da-putice bem apanhada. Como tem de ser.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Fumar mata!

As novas leis restritivas do consumo de tabaco em locais públicos fechados têm dado muito que falar. A favor ou contra, as opiniões chovem de todos os lados. Por ser matéria na qual não é necessário doutoramento para se ser doutor, ouvem-se teses e teorias do mais abstruso ao mais profundo e enigmático, apresentadas por personagens que nem pestanejam do alto de suas tão grandes certezas. É um verdadeiro regabofe.

Não somos os únicos cidadãos da Europa a terem de se habituar a uma nova realidade na satisfação do santo vício. A restrição alastrou Europa fora como fogo em milho seco. Na minha opinião (A quem pode interessar a minha opinião? Afinal não passo de mais um dos muitos milhões de doutores neste assunto mas, enfim...) é evidente que quem não fuma só pode sentir-se vitorioso por ver os seus direitos resguardados. Aplaudo. O que já me parece abuso grave é fazer tábua rasa e impedir o fumo em todos os lugares públicos, sem deixar margem de decisão para os proprietários de bares e cafés. Outra coisa grave é a forma como se pretende fazer cumprir a lei, incitando o comum cidadãozito a bufar os que se atrevam a quebrar a regra. Aliás, já não é a primeira situação em que o actual governo propõe que sejamos polícias de costumes.

É bem visível que se está a fazer do nosso país e da Europa um imenso jardim infantil onde os meninos bons se sentem no direito de acusar os meninos maus ao professor e ficam para assistir ao castigo.

Na minha qualidade de fumador convicto a coisa não me irá afectar muito uma vez que já há muito tempo que não fumo em cafés ou restaurantes. O pior vai ser quando for ao bar nocturno... em casa já só dou umas fumaças à janela e no local de trabalho... é segredo meu.

Esta lei incomoda mais pela forma que pelo conteúdo e vem mostrar que cada vez mais o Estado sente a força e o direito de meter o nariz onde não é chamado. O problema maior é que o Estado sofre da doença do Pinóquio. E se mente!!!


quinta-feira, janeiro 03, 2008

Canção de escárnio



A Fondació Miró acaba por ser um bom exemplo de exploração eficaz de um mito. Miró é um artista estudado, citado, observado, comido, bebido e, consequentemente, mijado e cagado com uma frequência bastante respeitável.
O visitante entra. Circula. Contacta. Sorri aqui e ali. Sobe escadas. Desce escadas. Vai até ao terraço. Miró grande, Miró pequeno, Miró tridimensional (o melhorzinho na minha opinião), Miró em pé, Miró deitado. Após meia dúzia de minutos Miró chateia. E após a visita total Miró é chato.
Os visitantes fazem uma fila jeitosa, alinhadinhos desde a paragem de autocarro até à porta. Uma bicha pouco sinuosa, com uma curvazita apenas a fim de virar a fronha à entrada principal do edifício. A entrada custava o habitual, 7 ou 8 €uros, por aí assim. Bastante papel ao fim do dia! O material exposto é Miró e pronto, tá tudo dito. Eu sei que não devia ser tão maledicente em relação ao trabalho deste mestre catalão mas, a verdade, é que gosto bastante daquilo que está na base do seu imaginário mas não posso aplaudir aquilo que vi em exposição, naquele dia.
Está bem, pois. Mas que raio de coisa faz este vídeo a ilustrar este post!?
Ah, é verdade, não parece ter nada a ver pois não? Mas tem. Quem já o viu reparou decerto que se trata de uma exposição temporária patente na Fondació Miró até ao dia 13 de Janeiro do presente ano. Uma lufadita de ar fresco no ar pesadão da exposição actual. Ai Miró, amiguinho, nunca pensei dizer tanta bujarda a teu respeito mas teve que ser. Desculpa lá o mau jeito. Abraço.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Outro mundo

O MNAC, Museu Nacional d'Art de Catalunya (link no post anterior) tem muitas portas mas só uma conduz a outro mundo. Fica do lado esquerdo após subirmos a escadaria principal no interior do edifício, por trás do balcão onde pagamos o bilhete (os museus de Barcelona são pouco baratos!) há outra escadinha, ladeada por uns muretes. Subimos, empurramos a porta envidraçada e entramos numa outra dimensão. É o espaço do Românico.
O chamado Estilo Românico é um dos períodos da História da Arte europeia pior compreendidos e ainda pior amado pelo amador ocasional. As formas humanas surgem desproporcionadas e mal amanhadas. As imagens sagradas parecem bonecos pueris e sem jeito e, no entanto, é uma das linguagens gráficas mais extraodinárias de que guardamos memória.

O MNAC tem uma espectacular colecção destas imagens grandiosas. São várias salas com reproduções de interiores de templos românicos (fotos acima) onde surgem as pinturas murais, em tentativas sucessivas de recriar o ambiente original. É claro que falta solenidade e grandeza. O interior de um templo, por muito pouco crentes que sejamos, possui uma energia impossível de reproduzir artificialmente. As salas do MNAC dedicadas ao Românico são, no entanto, exemplos de largueza de vistas e grande honestidade dos responsáveis pela sua concepção. Não me parece que existam muitos museus no mundo que dediquem tal atenção a este período maldito dos criadores de imagens medievais. Muito menos haverá locais em que as pinturas e esculturas românicas surjam assim enquadradas, capazes de nos permitir um vislumbre fugaz sobre os espaços mágicos que os seus criadores forjaram num mundo habitado por Deus mas, principalmente, habitado pelo Diabo!

O MNAC fica próximo da Fundació Miró (assunto do próximo post) em Montjuic, uma colina arborizada absolutamente deslumbrante. Ai Barcelona!

A propósito ou nem por isso, fica a sugestão de um "passeio" por este site http://www.wga.hu/index.html . Recomendo particularmente as "Guided Tours". Não é que tenha a ver directamente com o conteúdo deste post (que eu tenha reparado tem apenas duas imagens da secção do MNAC acima referida), mas é um site com imensas possibilidades e algumas imagens de escultura e pintura Românica. Além de ser um excelente site!

terça-feira, janeiro 01, 2008

Por exemplo: Barcelona. Por outro lado: Barcelona


Ainda trago alguma poeira de Barcelona nas botas de tanto subir e descer ruas e mais ruas por aquela cidade fora. Barcelona seduziu-me, a grande maluca, e deixou-me assim a dar para o confuso. Os posts que se seguem decerto terão a ver com esta viagem. Enquanto as recordações forem frescas. Depois que se lixe. Viva Barcelona!
Por exemplo: durante a tarde podes descobrir a arte românica no estonteante Museu Nacional d'Art de Catalunya http://www.mnac.es/ e à noite dás um salto ao IMAX, no Port Vell http://www.imaxportvell.com/ para assistires a um filme em 3D. Mil anos de distância, a mesma estranha paixão pela criação de imagens que é a marca da nossa civilização. As pinturas murais extraordináriamente recriadas nas salas do MNAC e o fundo do mar a envolver-te numa espécie de alucinação, mil anos aos trambolhões para dentro do teu cérebro. Barcelona não se cansa nunca, nós, os visitantes, é que podemos descobrir que não temos pedalada suficiente para tanta cidade dentro de uma cidade apenas. E não estou a referir-me à extensão física do espaço urbano, é a vida de Barcelona que acaba por cansar. É o ruído constante das pessoas que sobem e descem as Ramblas, a simpatia inesgotável dos barceloneses, a ladaínha babilónica das falas que se ouvem por todo o lado: italiano, castelhano, francês, catalão, português, inglês... o mundo todo a acanhar-se para encontrar o seu lugarzinho na barriga, nas costas, no coração de Barcelona. E a cidade não se faz rogada, acolhe o mundo todo dentro dela e tudo faz por seduzi-lo com ares de grande senhora.
Por outro lado: toda a gente sabe que não há bela sem senão. O senão desta cidade maluca pela vida chegou na noite de passagem de ano. Durante a tarde adivinhava-se festa. Por todo o lado a festa ia crescendo. No burburinho, nos sorrisos, nas musiquetas ocasionais ao virar da esquina, a sensação de festa crescia, crescia, crescia. À noite, subindo as Ramblas em direcção à Plaça Catalunya com uma garrafa de champanhe na mão, sofremos uma tremenda decepção; um polícia acabava de tirar uma garrafa a um rapaz e atirava-a para o lixo. Bruscamente, com cara de pau e maus modos. O rapaz nem refilou. A entrada para a praça era controlada com barreiras metálicas e poibia-se a passagem de latas ou garrafas. Uns gajos com coletes fluorescentes deitavam o liquído em copos de plástico, desajeitadamente. Resolvemos ir guardar a nossa garrafa no apartamento em que estávamos alojados, numa Carrer mesmo junto à Rambla. Havia uma tensão pesada a abafar o ambiente, como se toda a euforia do quotidiano barcelonês estivesse ali acumulada e prestes a provocar, sabe-se lá o quê! Fomos até à Plaça. Chegou a meia noite e... nada! Um foguetezito aqui, outro ali. Putos bêbados aos pinotes, grupos de homens árabes (sabe-se que as suas mulheres não são, propriamente, gente para sair com estes gajos à rua!) a catrapiscarem grupos de raparigas loiras com ar de estarem a pastilhar, enfim, a Plaça estava cheia de gente e... nada. Resolvemos descer as Ramblas, até à Plaça Colón, talvez houvesse qualquer coisa mais animada. Foi aí, ao entrarmos na Rambla (mais polícias com maus fígados a sacarem garrafas inteirinhas de champanhe que atiravam para o lixo) que percebemos melhor a razão dessa atitude pouco recomendável. Uns 20 metros mais abaixo, uma garrafa voou sobre a multidão compacta. Decerto caiu nalgum sítio. Coisa feia, coisa má, muito má mesmo. De súbito gerou-se uma enorme agitação e a multidão moveu-se, naquele seu incomodativo jeito compacto. Lá estavam eles, porra: os polícias de choque! Por sorte estavamos mesmo junto à entrada da rua do nosso apartamento e a sensação de insegurança não disparou. Apesar dos empurrões, apesar daquele movimento ondulatório da massa que foge assustada, conseguimos afastar-nos com alguma calma. A nossa filha era principal preocupação. Mas as coisas acabaram por acalmar e a noite prosseguiu com os incidentes do costume. A polícia lá surgiu mais uma vez ou outra (agora assistíamos ao desfile incessante de pessoas da varanda, com um copo de champanhe na mão, tal como os nossos vizinhos de ocasião) mas não me apercebi de nenhuma cacetada, apenas ameaças. E a coisa foi assim nas ruas de Barcelona onde estive na noite de passagem de ano: uma Fiesta de Mierda. Um anticlímax estranho numa cidade tão cheia de vida... ai Barcelona!