quinta-feira, maio 31, 2007

Notas mais ou menos soltas

A informação circula pelo mundo a uma velocidade estonteante. Num momento estamos ligados ao outro lado do planeta. Abrimos uma página de um jornal de Hong Kong com a mesma facilidade que podemos ler a imprensa chilena. As questões são imensas, variadas, repletas de dramatismo ou bom humor. O mundo nunca foi tão complexo, apesar de sempre o ter sido.

No meio de tal catadupa informativa tentamos descobrir uma linha narrativa, algo que faça sentido para a nossa capacidade de compreensão. Construimos um ponto de vista pessoal de acordo com as nossas perspectivas. Escolher essa linha (ou descobri-la) é tarefa árdua e depende mais de nós, enquanto indivíduos, do que própriamente da "verdade" que nos é oferecida pelos meios de comunicação de massas. Nós próprios construímos o nosso modelo particular da realidade que nos envolve.

O mais complicado para muitos de nós é a capacidade de aceitarmos que aquilo em que acreditamos não é, necessariamente, a Verdade, mesmo que tenhamos provas irrefutáveis de que as coisas "são mesmo assim". A validade do nosso ponto de vista depende, na maior parte das ocasiões, da nossa capacidade de os expormos e defendermos perante as dúvidas que sobre ele se levantem. Quantas vezes uma pessoa cheia de razão acaba por perdê-la ao não conseguir passar eficazmente a mensagem aos outros?

Olhamos o mundo dentro de écrans, como se estivessemos a observar um aquário. A rua, o bairro, a cidade em que habitamos parecem-nos fastidiosas e desinteressantes, andamos enamorados de um mundo virtual. Mas, se repararmos bem, ali na rua, aqui no bairro, dentro desta cidade, está um mundo maior e mais real, repleto de pessoas de carne e osso, um mundo que tendemos a desprezar.

Preferimos construir a "verdade" a partir dos sinais da "realidade" que nos são fornecidos pelas agências noticiosas internacionais. Tentamos compreender o imenso "mundo exterior" para depois podermos enquadrar o mundo mais pequeno em que nos deslocamos quotidianamente. Fará isso sentido? De que modo a questão dos refugiados palestinianos no norte do Líbano pode afectar a minha existência? A Globalização é assim tão radical? Ou não?

Vou para a escola. Vou dar aulas a dois grupos de crianças que preferem ser consideradas pré-adolescentes. Têm entre 12 e 13 anos. Têm o mundo todo à sua frente. Espero ajudá-las a encontrar a sua narrativa particular na selva visual em que nos movemos. É para isso que trabalhamos só que a maior parte dessas crianças ainda não percebeu bem o nosso objectivo. Vou tentar explicar-lhes tudo, mais uma vez. Oxalá um dia compreendam.

quarta-feira, maio 30, 2007

3 histórias 3





O mundo roda e deve ser isso que nos faz como somos, meio tontos.
Hoje estou em greve e quis saber pormenores dos níveis de adesão por esse país fora. À uma hora da tarde liguei a TV para acompanhar os serviços noticiosos nas 3 estações de canal aberto. Todos abriram com notícias relativas ao impacto da Greve Geral na vida quotidiana do país. Como se esperava o sector dos transportes públicos foi o mais afectado com particular incidência na zona da Grande Lisboa. Um pouco por todo o lado fez-se sentir a adesão da milhares de trabalhadores descontentes com o rumo que o governo tem aplicado na definição das suas políticas. Como se esperava, a leitura que os representantes do governo fazem desta greve, tende a desvalorizá-la.
Teixeira dos Santos, ministro de estado e das finanças, afirma que "As greves gerais paralisam os países mas o país não está paralisado". Pois não, isso seria inédito, mas o recado das classes trabalhadoras está dado. Ouçam-no, senhores governantes.
Nos telejornais apareceram uns secretários de estado a fornecer e analisar dados recolhidos pelos seus serviços (um deles era o senhor do frigorífico que protagonizou a rábula dos congelamentos que analisei no post de sexta-feira passada, um tipo rigoroso nas suas análises, como sabemos). Segundo eles nada de significativo se passou, tudo está dentro da maior das normalidades (mais normal até do que em certos dias normais!). Logo a seguir surge Carvalho da Silva, Secretário Geral da CGTP garantindo que os objectivos da greve foram alcançados e que apresentaria os seus números (que diferença extraordinária haverá quando comparados com os do governo) lá mais para o final da tarde, uma vez que muitos serviços funcionam por turnos e não quer estar a enganar ninguém, precipitando-se na sua análise.
Resumindo, a informação será, mais uma vez, estúpidamente contraditória, cada um a querer fazer valer o seu ponto de vista. Será de todo impossível uma leitura clara e descomplexada deste género de situações?
Da Venezuela chegam notícias da cruzada de Hugo Chávez contra as televisões privadas. Este ditador populista está a fazer história. Regressam os regimes ditatoriais à América Latina, agora por via de ditadores eleitos em processos democráticos. Uma vez no poder engendram formas de aí se perpetuarem. Este é o sonho de qualquer aspirante a feiticeiro social que se preze. O nosso Sócrates bem que deve olhar Chávez com uma pontinha de admiração.
Após o encerramento da Radio Caracas Television (foi-lhe recusada a renovação da licença de emissão) Chávez aponta agora baterias sobre outro canal privado, a Globovisión, acusada em tribunal de encorajar um atentado contra a vida do presidente. O mais extraordinário desta situação é a base da suspeita que, segundo a BBC, estará relacionada com a emissão pela Globovisión de imagens relacionadas com a tentativa de assassinato do Papa João Paulo II, em 1981, , acompanhadas da canção This does not stop here, interpretada pelo actual ministro do turismo do Panamá!!! Como argumento legal não está nada mal. Um dia destes quem olhar de lado para o ditador venezuelano será abatido a tiro desde que haja, pelo menos, 3 testemunhas do olhar maldoso.
Finalmente a notícia da agitação que está a causar na, aparentemente pacata, Holanda a estreia de um programa de TV intitulado "O Grande Dador". O programa é fruto da imaginação prodigiosa da Endemol que, entre outras pérolas televisivas, já ofereceu (a bom preço) ao mundo o conceito do Big Brother. A ideia é simples: uma doente em estado terminal oferecerá um rim a um de 3 concorrentes participantes no programa. Estarão todos em estúdio esgrimindo argumentos para convencerem a mulher a doar-lhes o rim. O público também poderá participar na eleição do feliz contemplado votando por SMS.
São 3 histórias muito diferentes mas todas elas exemplares. Onde está a verdade? Como se materializa? O entretenimento pode ir ao ponto que é proposto pelos produtores de "O Grande Dador"? Bom, não sei bem, não. Mas posso sempre lembrar que os romanos, nos tempos do Império, se divertiam com pessoas a desmembrarem-se na arena do circo. E, ao que parece, divertiam-se mesmo!

terça-feira, maio 29, 2007

O Sr. Matsuoka

O ministro da Agricultura japonês, Toshikatsu Matsuoka,(62) morreu hoje (28) depois de se enforcar no seu apartamento em Tóquio, informou a Agência Kyodo.

A notícia é estranha. O Sr. Matsuoka ter-se-á enforcado de pijama vestido com a trela de passear o cão no apartamento onde vivia. Envolvido em questões menos claras relacionadas com contabilidades duvidosas, Matsuoka não quis continuar a contribuir para a degradação da imagem do governo que integrava e resolveu pôr fim à vida. É uma coisa cruel e parece demasiado brutal, vista deste lado do planeta.
O sentido de honra dos japoneses está a anos-luz do sentido de honra dos portugueses. Basta ver a forma angustiante como, entre nós, certos detentores de cargos públicos se agarram aos lugares que ocupam, berrando aos sete ventos a sua inocência mesmo depois de estar à vista de todos que foram, no mínimo, habilidosos na forma como retorceram a lei e as regras em proveito próprio. Claro que não esperava que, por exemplo, Fátima Felgueiras se pendurasse pelo pescoço mas dói ver a forma como agora tenta iludir a Justiça com truques de prestigiditação em pleno Tribunal. Temos de continuar a aturar a gritaria do Major sempre que lhe colocam uma questão menos pacífica etc., etc., uma colecção extensa de cromos pouco recomendáveis que terão atropelado a Lei em nome dos superiores da população que dizem servir. A Lei é, entre nós, demasiadas vezes encarada como um empecilho que urge contornar. E contorna-se.
Matsuoka merece respeito? Assim, à primeira vista, sou tentado a dizer que sim. Afinal prescindiu do seu bem mais precioso em nome de um sentido de honra que talvez tenha chegado tarde, após ter cometido as alegadas irregularidades, mas quando chegou foi com tal força que o ministro japonês nem sequer teve tempo de vestir fato e gravata para se pendurar pelo pescoço e ir ao encontro dos seus antepassados. Com a cabeça baixa de vergonha, está bom de ver.

segunda-feira, maio 28, 2007

Piratas

Sparrow, Barbossa, um pirata de Singapura e uma mão-cheia de piratas mais sujos que uma fralda de bébé, em cima, o Capitão Blood e uma série de piratas um pouco mais limpinhos, em baixo.

Depois de uns quantos posts sobre diversas formas de pirataria social capazes de incomodar o sono ao mais pacato dos cidadãos eis, finalmente, uma referência a algo menos pesado e um pouco mais fantástico.
O 3º filme da série de "Os Piratas das Caraíbas" estreou e leva-nos de volta ao mundo encantado do Capitão Jack Sparrow e compinchas. Sendo um filme que fecha um ciclo, recupera e conclui uma série de peripécias desenvolvidas nos anteriores. O argumento ata e desata nós entre as diversas personagens dando-lhes um destino, como seria de esperar. As opiniões poderão ser mais ou menos entusiastas mas, na minha óptica, o filme confirma a excelência da personagem criada por Johnny Depp, sem a qual não haveria sucesso garantido. As restantes personagens são mais ou menos eficazes (o Capitão Barbossa de Geofrey Rush é também um "boneco" bem construído) e os efeitos especiais simplesmente deslumbrantes.
Querer comparar esta série com os filmes de aventuras dos anos 50 com Errol Flinn a protagonizar piratas estereotipados (como faz um crítico do Público) não me parece um exercício particularmente interessante. Os meios de produção e o público a que se dirige "Os Piratas das Caraíbas" configuram uma realidade tão diferente de, por exemplo, "O Capitão Blood", que compará-los é o mesmo que comparar umaparelho de televisão dos anos 50 com um écran de plasma do século XXI. Têm a mesma função mas as performances são tão distintas que parecem pertencer a planetas diferentes. Não fazendo juízos de valor, facilmente percebemos como são diferentes e impossíveis de comparar tanto nos objectivos a alcançar como nos resultados obtidos. Entre os filmes de corsários de Hollywood de épocas passadas não encontro, assim de repente, nenhum que possa ser considerado intemporal ao ponto de o virmos agora colocar lado a lado com a série protagonizada por Depp sem corrermos o risco de querermos confundir gato com lebre (sem desprimor para o gato nem querendo sobrevalorizar a dita lebre).
Seja como fôr, este "At World's End" vive menos à custa da figura de Jack Sparrow, distribuindo protagonismo pelas demais personagens de acordo com as necessidades narrativas criadas ao longo dos dois filmes anteriores e fechando sucessivamente as histórias particulares de cada uma delas (e são muitas).
No entanto o filme termina com a vedeta máxima da saga partindo em direcção a mais uma possível aventura. Fica no ar a sensação de que a coisa não acaba aqui e parece haver também a intenção de recentrar a narrativa de futuras aventuras no pirata efeminado que fez o sucesso da actual série.
Podemos então esperar por mais pirataria sem escrúpulos, umas vezes cómica, outras até que nem por isso. Nos écrans de cinema e, talvez até mais e com maior intensidade dramática, na vida real. Coisas de piratas!


domingo, maio 27, 2007

Em greve!

Temos um governo de esquerda que governa como se fosse de direita.
Temos um primeiro ministro capaz de praticar falcatruas inqualificáveis com coisas tão simples como um diploma. O que será ele capaz de fazer com coisas mais complicadas? O que anda ele a fazer com os negócios do país?
Temos um presidente da república incapaz de produzir uma ideia, de ter um gesto que nos dê alguma esperança, de tomar uma atitude em nossa defesa perante os desmandos totalitaristas do governo.
Temos ministros incapazes que, de cada vez que abrem a boca em público, mostram a qualidade das decisões que tomam.
Temos uma assembleia da república com uma maioria absoluta que obedece ao governo de forma canina.
Estamos entregues a nós próprios.
As instituições do poder estão coniventes umas com as outras e defendem não se sabe o quê. Sabe-se apenas que não defendem os direitos de quem trabalha, bem antes pelo contrário. Assistimos diáriamente à transformação da nossa democracia num monte de esterco por acção de uma classe política vendida e nítidamente ao serviço de interesses que não são os nossos.
O país está mais uma vez a saque e as patorras que o saqueiam querem também tapar-nos a boca, os olhos e os ouvidos.
Ou ficamos a assistir a tudo isto impávidos e serenos como ovelhas num redil ou tentamos marcar posição e mostrar a esta gentalha que não podem mandar em nós como se fôssemos coisas amorfas e sem vontade.
Será pouco o que podemos fazer. Mas será muito menos se o fizermos sozinhos.
A solução está numa atitude global. Se muitos de nós aderirem à greve geral o pouco que podemos fazer ter-se-à transformado em algo muito maior.
Eu faço greve.
Não fiques a lamentar-te num canto, adere também.
Vamos mostrar ao governo o nosso descontentamento e a nossa força.
Dia 30 estamos em GREVE!

Informações sobre a greve Geral em http://www.cgtp.pt/grevegeral/index.php?option=com_content&task=view&id=2&Itemid=4

sábado, maio 26, 2007

Tolices

O ministro Lino terá afirmado que a Margem Sul do Tejo é um deserto. Não ouvi nem li as afirmações deste ministro com aspecto de carroceiro mas, a avaliar pelas reacções, a coisa deve ter sido "complicada" de ouvir e de ler. Já por mais de uma vez reparei no ministro em causa quando fala para os microfones. Utiliza uma linguagem bastante colorida e diz as coisas de chofre, como se estivesse a atirar postas de pescada à testa do interlocutor. É um tipo com dificuldades em medir as consequências do que diz ou, então, a simples visão de uns quantos microfones apontados na sua direcção deixam-no em estado catatónico e as palavras saem-lhe da boca sem que se aperceba muito bem do que está a dizer.
Comparar a Margem Sul do Tejo a um deserto é uma tolice de tal calibre que só muito dificilmente pode ser levada a sério. Quer-me parecer que há aproveitamento exagerado das palavras do Lino e se está a dar importância a algo que a não tem. Se repararmos bem este ministro já afirmou coisas bem mais estrambóticas noutras ocasiões mas o contexto em que o fez não se prestaria a especulações interessantes nem para o ataque político, nem para a crónica jornalística como está a acontecer desta feita, pelo que foi muito simplesmente ignorado. Penso que, se não fosse ministro, bastaria um sorriso um ligeiro abanar de cabeça. O problema é que ele é ministro e tutela as Obras Públicas.
Seja como for queria apenas dizer que, na minha qualidade de habitante do "deserto", me sinto bastante satisfeito e gosto de cá morar. Na duna em que habito, Almada (na foto), temos slogans do género "estamos do lado certo (do Tejo)" ou "Almada tem vida própria" o que é bem verdade. Temos também uma Câmara Municipal de maioria comunista e uma Presidente que goza de uma popularidade invejável. Talvez porque quando discursa perante o povo nas comemorações do 25 de Abril o faz de improviso e se empolga sempre ao ponto de chorar um bocadinho e pôr o pessoal, cá em baixo, a lacrimejar discretamente. Coisa que o Lino ministro não tem capacidade de fazer porque ele fala como um bruto insensível que, se calhar, até não é. Mas parece.

sexta-feira, maio 25, 2007

Em jeito de futebol


O secretário de estado da administração pública João Figueiredo anuncia o congelamento das carreiras até 2009 e, quatro horas depois, vem explicar que afinal é só até 2008. Tudo isto com a mesma cara, o mesmo fato, a mesma gravata e o mesmo par de óculos. Não consta que se tenha rido ou atrapalhado. Mais uma imagem de rigor e competência do nosso executivo. Com governantes assim podemos todos dormir descansados.


Reviravolta em quatro horas
Governo recua e abre a porta à existência de progressões na função pública já em 2008


Se dúvidas houvesse quanto aos métodos e processos do actual governo, esta rábula dos "congelados" poria tudo em pratos limpos. Mas não é preciso ser analista político para ver como o executivo funciona de forma intempestiva, atirando primeiro e medindo a consequência do tiro depois, ao analisar o corpo da vítima estendido no chão e hirto como carapau de corrida.

Em linguagem futebolística poderemos classificar os nossos ministros e os seus fiéis secretários de estado como "repentistas". Em geral têm pouca técnica e não estiveram atentos à prelecção do Mister quando este explicou a táctica no balneário. Uma vez chegados ao terreno de jogo, com as luzes a brilhar e as objectivas dos repórteres fotográficos a olhá-los de perto eles perdem-se e aí vai disto!

Depois, ao regressarem arfantes e ruborizados pelo esforço e a sensação do dever cumprido, o treinador chama-os à parte e dá-lhes uma descasca valente. Então era aquilo que lhes tinham dito para fazerem? Isto agora é de improviso? Desde quando é que as regras são para serem cumpridas? Só se o árbitro estiver a olhar e, mesmo assim, um gajo pode sempre enganá-lo! O que é verdade na primeira parte do jogo não o volta a ser, obrigatoriamente, ao longo da segunda. Há sempre a possibilidade de fazer teatro, mascarar devidamente a mentira para que passe por verdade verdadeira e por aí adiante.

Regressados ao terreno de jogo até parecem outros e a interpretação da táctica transfigura-se por completo. Na bancada há quem ache tudo aquilo uma valente palhaçada. Mas há também espectadores que compreendem.
Afinal somos todos humanos. Não passamos de animais!

quinta-feira, maio 24, 2007

Excelente

Luís Campos e Cunha, o Sr. do frigorífico. Foi o Ministro mais escorregadio deste governo pois desapareceu quase tão depressa como apareceu. Mas foi ele quem abriu a porta do congelador. Adeus ó vai-te embora!
Função Pública

Congelamento das carreiras prolonga-se até ao final de 2008

É espantoso. As carreiras dos funcionários públicos foram metidas no frigorífico em Junho de 2005 com a garantia de que por lá ficariam "apenas" até estar concluido o processo de revisão das ditas cujas que, nas contas do Ministro das Finanças dessa época, se resolveria lá para finais de 2006. Mas... estamos em Portugal, pois então. Passou 2006, vamos com 2007 já crescido e nada. Sabemos agora que as carreiras vão continuar no frio gélido até ao final de 2008!!! A coisa atrasou-se. Mas haverá algo que não se atrase neste país? Os menos optimistas chamam-lhe mesmo "um atraso de vida". Mas estão a exagerar. Um bocadinho.

Quer isto dizer que em 2009 uma elite de funcionários com classificação de "excelente" atribuída pelas chefias respectivas verá finalmente a sua carreira em plena luz do Sol, esse astro redentor que tudo aquece e que, quando nasce, é certo e sabido que nasce para todos.

Mas (há sempre um mas nestas histórias) essa classificação de "excelente" é limitada a 5% dos funcionários de cada serviço e vamos lá a ver se haverá dinheirito para cobrir a despesa. Ou seja, um serviço onde toda a gente trabalhe como bestas de carga, obedeça cegamente ao chefe e ainda lhe ponha o adoçante no café, não terá a mínima das mais pequenas possibilidades de ver todo o pessoalzinho a ser recompensado como mereceria. Só 5%. E só se houver dotação orçamental. Não posso crer! Como irão ser escolhidos os "excelentes"? É que terão de ser os mais "excelentes" de todos os "excelentes", caramba! La créme de la créme, como dizem os franciús. Pobres chefes, coitadinhos, que vão ter noites terríveis de insónia quando chegar a hora de fazer a listinha.

Já sabemos que tudo isto é necessário para conter a despesa pública e equilibrar a puta da balança. Estamos carecas de saber que temos de fazer sacrifícios e o diabo a quatro. Também sabemos quem são os que fazem esse papel. São os funcionários públicos, claro. Mas só a ralézita que os tubarões, lá no cimo dos cadeirões, continuam a comer como peixe graúdo que são.

Se eu soubesse como as coisas são quando era miúdo, em vez de querer ser bombeiro ou agente secreto devia ter metido na cabeça que queria ser sub-secretário de estado ou assessor de ministro. Porque é que não me lembrei disto quando era tempo?



Direitos adquiridos


Nos últimos dias temos ouvido falar muito sobre os "direitos adquiridos" de que teremos de abrir mão dada a evolução da economia. É certo e sabido que a Segurança Social não poderá comportar, no futuro, reformas do mesmo nível das que paga actualmente, sob risco de colapsar. Ou seja, eu sei que estou a trabalhar e a descontar uma fatia do meu ordenado para suportar o pagamento de reformas que actualmente são bem "interessantes" e, quando chegar a minha vez de "arrumar as botas", a Segurança Social irá pagar-me (se for possível) uma reforma menos robusta, por assim dizer. Os direitos adquiridos pela geração do meu pai, graças à Revolução de Abril e à extraordinária afirmação dos direitos de quem trabalha, nunca serão meus. A minha geração irá perdê-los. É certinho!

Em termos económicos, os célebres direitos adquiridos, que são direitos próprios de uma Democracia que se baseia em princípios de solidariedade social e não em ditames economicistas, estão a morrer ou, pelo menos, em transformação profunda. Não só vou ter de trabalhar durante mais tempo (devido ao aumento da idade de reforma para os 65 anos) como não tenho a certeza de obter retorno do "investimento" que faço todos os meses ao descontar para a Segurança Social. É um risco que corro, que corremos todos.

Dos vários direitos adquiridos este será um dos que correm maior risco de vir a sofrer danos irreparáveis. Mas estou disposto a correr este risco. Digo mesmo que abdico de bom grado deste direito desde que não me belisquem, sequer, o maior de todos os direitos adquiridos pelo meu pai e a sua geração, a sua verdadeira herança, aquele que caracteriza e distingue o sistema democrático de todos os outros e que me mantém vivo, convicto e actuante: o DIREITO INALEANÁVEL À MAIS COMPLETA E ABSOLUTA LIBERDADE DE EXPRESSÃO!

No dia em que o meu país não me reconhecer ou proteger este direito eu não quero continuar a viver nele. No dia em que isso acontecer este não será o meu país, será o país em que viveram os meus avós e do qual nem me lembro bem por ser tão miúdo que ainda não compreendia o valor absoluto que este direito representa, e eu não quero nem posso retroceder no tempo em matéria de liberdade de expressão. Em nome dessa liberdade estou disposto a correr todos os riscos, estou disposto a dar a cara e o peito e mais que seja necessario para a defender.

Admito que, em nome da Santa Economia, tenhamos que regredir naquilo que diz respeito ao "direito ao consumo" e vejamos a dita Santa a abanar no altar. Mas a Economia não passa de uma Santinha de pau carunchoso. Nesta cosmogonia a Liberdade de Expressão é Deus!

terça-feira, maio 22, 2007

Reprise

O texto que se segue é o de uma carta que enviei ao Director do Público em Abril de 2005. A carta foi publicada no jornal. Hoje, após o comentário do Olaio ao post anterior, recordei-me dela e resolvi editá-la aqui em reprise. Penso que mantém a actualidade.

O sonho muda
As deslocalizações de empresas, o fim anunciado do Estado Social, a extrema fraqueza da União Europeia, a agressividade americana, a ascensão chinesa... tudo isto são sinais de que algo está a mudar na geografia económica, política e social do nosso planeta. E está a mudar muito depressa.
O modelo social europeu não parece ter forças para aguentar a pressão que vem do Oriente. A maioria das empresas procuram outros locais para estabelecer os seus centros de produção. Aos direitos adquiridos pelos europeus, os asiáticos contrapõem massas operárias com ambições miseráveis, segundo os nossos padrões. Salários ridículos por mais horas de trabalho fazem as delícias de qualquer empresário que esfrega as mãos de contente na perspectiva de lucrar ainda mais com o seu negócio. Não é que tenha prejuízo com a fábrica instalada na Europa, antes pelo contrário. Mas se ganha apenas 100 e pode ganhar 1000 não há que hesitar! Os custos sociais da deslocalização de empresas não são contabilizados, não interessam nem ao Menino Jesus. Numa primeira fase os novos países da União dos 25 são o Eldorado. Mão-de-obra qualificada ao preço da chuva promete níveis de produção interessantes e margens de lucro apetecíveis. Mas a China é muito grande e cresce a um ritmo alucinante. A única hipótese de competir economicamente será “chinesizar” o modo de vida dos trabalhadores europeus. Baixar os salários, reduzir os investimentos na Segurança Social, enfim, fazer marcha-atrás no nosso modelo social, reduzindo a qualidade de vida do grosso das populações por forma a equilibrar os pesos na balança comercial planetária.
As utopias modernistas do século XX, decorrentes da industrialização e dos modelos políticos de inspiração socialista e social-democrata estão a dar as últimas. A retumbante vitória do capitalismo, louvada pelos neoliberais, associada à entrada da China neste jogo, não vai deixar pedra sobre pedra na construção europeia. O “sonho americano” também não parece resistir à pressão económica do gigante asiático e, se retirarmos aos EUA a supremacia militar, pouco resta. Começamos a assistir ao nascimento do “sonho chinês”. Ainda não compreendemos muito bem os contornos deste sonho. Por enquanto é, para nós, europeus, mais um pesadelo do que um sonho. Teremos de nos conformar com o facto de deixarmos de ditar as regras num mundo globalizado. Iremos seguir outros faróis civilizacionais, tentar a adaptação a novos modos de vida.
O fim do império americano está a chegar e a Europa vai na enxurrada. Dentro de algumas décadas Beijing será a capital cultural e Nova Iorque uma outra Paris, cheia de classe mas um tanto “démodé”. Os líderes chineses serão reconhecidos em todo o planeta e vamos aprender a pronunciar correctamente os seus nomes. Já a aprendizagem da língua e da escrita há-de trazer mais complicações mas não é nada que não se faça com dedicação e esforço.
O Mundo está a mudar. Após séculos de supremacia Ocidental parece chegada a hora da Ásia. China e Índia serão o novo espaço económico dominante, ditando regras e nós, desta vez, é que vamos ter de nos adaptar.
O Mundo não acaba para nós. É apenas o sonho que muda.

E as crianças?


Os números relativos à taxa de cobertura e ocupação de jardins de infância em Portugal mostram bem o fosso que existe entre os ricos, os mais-ou-menos ricos e os pobres, neste campeonato os verdadeiramente pobres nem sequer são chamados.

O Estado continua incapaz de oferecer este serviço essencial à estruturação democrática da sociedade. Os infantários públicos são inacreditavelmente escassos e, para os frequentar, as crianças são inscritas ainda antes de nascerem (muitas delas ainda não são meninos ou meninas). Mesmo assim os encarregados de educação não sabem se terão hipóteses de "arranjar" lugar para o seu rebento. Virá o dia em que o casal, na preparação para o acto sexual, preencherá uma ficha de inscrição para o berçário da zona em que reside, sendo isto considerado um preliminar altamente motivador e excitante.

Claro que há uma rede de infantários privados à qual se pode sempre recorrer em última instância mas os preços praticados são proibitivos para a esmagadora maioria das famílias daquilo a que chamamos classe média baixa, eufemismo que não vou sequer dissecar.

Neste panorama temos então as famílias mais capazes em termos económicos a resolverem o problema educacional dos filhos com relativa facilidade (o dinheiro não é fonte exclusiva de felicidade mas ajuda bastante nalgumas situações) e as outras, a esmagadora maioria, a recorrer à imaginação prodigiosa que, segundo consta, é característica essencial do povo português sempre que se trata de resolver problemas impossíveis. No caso dos jardins de infância este célebre "desenrascanço" nem sempre resulta, ficando muita criança fora do sistema durante demasiado tempo.

Os ricos frequentam escolas privadas até à saída para a Universidade e, nessa altura, finalmente resolvem aceder ao ensino público. Toda a gente sabe que, em Portugal, o Ensino Superior Público é de muito melhor qualidade que o privado. Seria interessante promover um estudo em que se comparassem números relativos à percentagem de alunos que entram no Ensino Superior Público que fizeram todo o seu percurso escolar anterior em instituições privadas. Seria, eventualmente, esclarecedor das enormes desigualdades que a nossa sociedade democrática ajuda a fomentar e se mostra incapaz, sequer, de compreender ou, pelo menos, de encarar de frente. É um paradoxo que as Universidades privadas, mais caras e com propinas mais altas sejam frequentadas por alunos provenientes de camadas sociais menos poderosas(esta afirmação carece de comprovação científica sustentada em sondagens credíveis mas é uma conclusão perfeitamente plausível em termos conceptuais).

A situação do ensino em Portugal continua repleta de incongruências e injustiças visíveis sem que nada seja feito em concreto para a alterar.

Muitas declarações políticas, fogo de vista e frases lindas para cabeçalhos noticiosos, muita demagogia e falsas intenções mas, na verdade, as famílias continuam descalças na tentativa de resolverem o problema de facultarem um ensino razoável aos seus filhos. A coisa cheira ainda pior quando estamos a falar dos mais pequeninos.

É lamentável.

segunda-feira, maio 21, 2007

Zodiac


Aqui está um filme estranho, daqueles que dão luta ao espectador. Com uma construção narrativa eficaz, servida por uma filmagem sóbria e próxima da perfeição nos planos captados e na consistência plástica de um olhar personalizado, Zodiac, o mais recente filme de David Fincher, é uma obra a ver.
Fincher é um realizador da minha preferência. Vi todas as longas metragens que realizou até à data. Seven ou Fight Club estão numa lista dos melhores e mais marcantes filmes a que assisti nos últimos anos. Alien 3, The Game ou Panic Room são, também, filmes muito interessantes. O conjunto da obra de Fincher faz dele um realizador de referência e o facto de trabalhar com excelentes actores ajuda a dar um brilho especial aos seus filmes. Em Zodiac, Jake Gyllenhaal e Robert Downey Jr. constituem dupla de respeito e as suas personagens ganham consistência a cada cena que passa.
Não sendo o melhor de Fincher (Seven continua, na minha opinião, como obra máxima deste realizador), Zodiac tem todos os ingredientes necessários para prender o espectador mais atento à teia de enganos e ilusões que vai tecendo ao longo da narrativa que termina em suspenso, num ponto onde tudo acaba e recomeça.
Não sendo uma obra prima (longe disso) não defrauda ninguém (digo eu).
Interessante.

http://www.zodiacmovie.com/



domingo, maio 20, 2007

Pornografia, violência e... tabaco

Cena imprópria mostrando Cruella De ville agarrada a uma boquilha com cigarro aceso na ponta
Não sei se ria ou se torça o nariz. Leio no jornal a notícia de que a Motion Picture Association of America vai começar a ter em conta na classificação etária dos filmes o facto de terem ou não cenas onde apareçam personagens a fumar. Um actor a fumar será considerado equivalente a um actor que arranque as tripas à dentada ou outro que se agarre com unhas e dentes às mamas da parceira de cena.
Num país onde uma criança com 10 meses de idade foi recentemente autorizada a ter licença de uso e porte de arma por não haver um limite estipulado por lei, fumar em cena será equivalente a estripar, matar, violar ou mostrar o sexo em exposição indecente. Não há limites!
Se a medida for aplicada e a classificação de todos os filmes for revista teremos, como faz notar o jornalista, os 101 Dálmatas para maiores de 16, por haver mais do que uma indecente cena de fumo com a indecorosa Cruella De Ville a chupar voluptuosamente a ponta de uma boquilha.
Se o ridículo matasse...

sábado, maio 19, 2007

Estranho é pouco!

Finalmente vi o filme de Borat. Conhecia Sacha Baron Cohen, o protagonista, da série televisiva Da Ali G. Show (penso ser essa a designação exacta) o que criou em mim alguma expectativa relativamente a este Borat, Aprender Cultura da América para Fazer Benefício Glorioso à Nação do Cazaquistão.
Durante o filme foram mais as ocasiões em que sorri enojado ou estupefacto do que por achar graça às situações. Quando digo "graça" estou a referir-me ao riso ou sorriso que cresce em nós de forma espontânea, sem favores nem concessões.
No geral pareceu-me um filme que recorre a um tipo de humor para o qual eu não estava devidamente preparado. Um espécie de humor "gore", onde o sangue a jorrar característico das situações "gore" normais, é substituído por uma grosseria descontrolada que pode acabar da pior maneira ou da forma mais hilariante (embora a hilariedade não me tenha visitado neste caso, admito que muitos milhares por esse mundo fora tenham rido até ficarem com dores barriga).
Borat coloca-se em risco ao longo do filme. Risco físico em várias situações. Por vezes fiquei na dúvida se as pessoas que contracenavam com Baron Cohen estavam cientes da situação. Na maioria das vezes fiquei absolutamente convencido que não. Não faziam a mais pequena ideia da alarvidade em que se haviam metido (como as senhoras da imagem que ilustra este post, uma cena deveras estranha para um filme!) e essa será, talvez, a maior qualidade da "película".
Enfim, poderemos estar perante algo inovador. Um objecto humorístico de uma rispidez por vezes incomodativa num registo de documentário ficcionado, um pouco à imagem dos de Michael Moore, em que resulta a estranheza e acaba por falhar, demasiadas vezes, o humor. Neste aspecto fez-me lembrar os filmes do Irmãos Marx e das estranhas sensações que me percorriam quando os via nas matinées televisivas da minha infância. Mas, convenhamos, não será fácil exercitar o humor em situações como aquela em que Borat entrevista 3 feministas. Os comentários em off tentam ajudar à festa, sublinhando a perspectiva muito particular que o "2º maior repórter do Cazaquistão" tem do mundo que o rodeia mas nem sempre evitam um certo odor a mau gosto que se instala no espectador. Nem isso, nem o contrário.

quinta-feira, maio 17, 2007

Reformar a Reforma

Ele há coisas do arco da velha! Coisas que acontecem de modo tão abrupto e inesperado que parecem saídas de um conto absurdo ou da tola de um maluquinho qualquer a gozar férias vitalícias num hospício do Estado.

Em matéria de Educação, no nosso querido Portugalzinho, o hospício é o Ministério e, ainda assim, a nossa sorte é que os locatários não estão lá por toda a vida, antes se sucedem a um ritmo cadenciado de acordo com os ciclos políticos ditados nos actos eleitorais.

Cada novo titular da pasta costuma vir com ímpetos reformistas, ideias iluminadas por ciência certa e espírito arguto, características próprias dos génios e dos predestinados. Vai daí encomendam estudos, rodeiam-se das mais caras luminárias que possam encontrar em solo pátrio e, todos juntos, cozinham novas reformas, planos infalíveis e decretam.

Todos e cada um deles está firmemente convencido que conhece a natureza da maleita que emperra sistemáticamente o futuro de sucessivas gerações de portugueses e lhes passa certificados das mais variadas habilitações que mais não são que papeis vazios de sentido, sem qualquer significado.

A última Reforma do Ensino Secundário foi aprovada e despachada pelo ex-ministro David Justino no longínquo ano lectivo de 2004/2005. Apesar de se terem levantado e feito ouvir as mais variadas vozes entre os actores do sistema educativo, alertando para os erros crassos e evidentes que a dita Reforma trazia no seu ventre, o Ministro, animado pelo sopro da suprema visão que lhe toldava a vista, fez ouvidos de mercador e a coisa avançou apesar de todos os defeitos que lhe eram apontados.

Nós, meros professores, reles servidores das luminárias de serviço, tivemos de acatar as ordens e trabalhar sobre premissas que sabíamos de antemão serem ridículas e fruto de uma vaidade soberba sem consistência nem razão.

Agora, volvidos dois anos, um Grupo de Avaliação e Acompanhamento da Reforma, descobriu-lhe mais incongruências que no discurso do Chapeleiro Louco. Então não é que a Reforma está a precisar de... outra Reforma!!?? E pronto, lá vêm novas ordens e desordens, virar à esquerda, travar à direita, fazer marcha-atrás ganhando balanço para um salto em frente. Adivinha-se novo trambolhão mas que importa isso? Esta Ministra talvez já lá não esteja quando for preciso concluir que afinal continua tudo errado, que as coisas assim não fazem qualquer sentido. O problema passará para outro que não ela.
Nós, os professores que não estamos apenas a aquecer o lugar e fazemos disto a nossa profissão, teremos de engolir uma e outra vez este veneno que nos põem à frente do nariz garantindo-nos que se trata do mais fino néctar.É veneno que não mata... mas amolenta pra caraças!!!

terça-feira, maio 15, 2007

Protect me from what I want

Uma foto dedicada aos meus amigos Sara e Paulo Lázaro que, de vez em quando me visitam aqui, no 100 Cabeças. À beira do Quadrado Amarelo onde tudo se quebrava, transformava e se fazia teatro pelo puro e absoluto prazer de o fazer.
Por ordem, da esquerda para a direita, Paulo Lázaro, Zé Pedro, Sara Afonso, Ana Saltão, Ricardo Aibéo. Atrás do Ricardo, pela testinha, parece-me ser a Rafela Santos. No Quadrado devem estar a Kiki e o Miguel Moreira, em transe hipnótico. Elenco excepcional! Onde se reunem, nos dias que passam, tantas cabecinhas pensadoras de uma só vez? Ainda por cima não tínhamos dinheiro nem para mandar cantar um cego! Com a direcção inexcedível de Ana Nave e o meu modesto contributo mais a boa vontade cega do camarada António Olaio, assim habitámos ao longo de meses o desaparecido espaço Lemauto, à beira do Tejo, do lado de cá, com Lisboa a enfeitar-nos a paisagem.
Estas e outras imagens em http://ctg.com.sapo.pt/historial/historial.html , no site de O GRUPO, esse mítico monstro das artes do palco almadenses.
Beijos e abraços.

P.S. Aquele espectáculo foi uma coisa do caraças, não foi? Ou sou só eu que guardo dele óptimas recordações?

O nosso Tempo


Do Dicionário:

Movimento - Estado de um corpo cuja posição em relação a um ponto fixo muda continuamente.
Coisa - Aquilo que existe ou pode existir. Realidade, facto.
O movimento, entendido como fenómeno físico, está relacionado com a deslocação de coisas no espaço. Quando qualquer coisa executa o mínimo movimento despoleta os mecanismos do tempo. Se todas as coisas do Cosmos estivessem paradas não existiria tempo, apenas a sua ausência. Mas a ausência de tempo é inimaginável para um ser vivo que habite a nossa dimensão, portanto não sei do que estou a falar. Tudo o que me rodeia parece resultar do movimento e é passível de ser medido em unidades de tempo. Conseguimos compartimentá-lo em milénios, séculos, décadas e por aí abaixo, até chegarmos ao tempo circular marcado pelos movimentos hipnóticos dos ponteiros do relógio.
Esse movimento reduz à sua imagem e semelhança os movimentos de todas as coisas ao imitar os movimentos de rotação e translacção do planeta. A forma como este voltear infinito leva e traz consigo o dia e a noite acaba por transformar a existência das coisas em tempos particulares. O tempo da vida de um animal, da existência de uma rocha ou mesmo o tempo de deslocação entre dois pontos.
A recente substituição deste tempo circular pelo tempo rectilíneo dos mostradores digitais, onde os números se sucedem vertiginosamente num ciclo de repetição infinita e alucinada, altera a nossa percepção do mundo que nos rodeia. O tempo já não é a repetição incessante de um movimento circular que regressa sempre ao ponto de partida, como se o mundo fosse uma roda de feira gigantesca. O tempo transformou-se numa linha recta a fugir sempre para a frente. É um tempo sem sombra, que persegue a luz, o caminho mais curto entre dois pontos, velocidade pura, desejo e consumo imediato. Este é o nosso Tempo.

Água do mar embalada

Afinal não houve limpeza. Segundo a médica que me observou tenho o ouvido esquerdo muito limpinho e desobstruído, o direito é que está completamente tapado. É estranho pois a sensação que me envolve a cabeça é de entupimento absoluto. Mas a senhora é que enfiou os olhos cá dentro com uma daquelas coisinhas com iluminação que dão para nos vasculhar o interior do corpo e perceber o estado da coisa à superfície. Receitou-me mais limpeza com o habitual Otoceril e um anti-estamínico para combater a ranhoca generalizada. Fui ainda comprar uma embalagem de... água do mar! Água do mar embalada para vaporizar furiosamente as narinas. Se há quem ande a vender a Lua a retalho não é de admirar que embalem e comercializem água do mar. Mas não se pense que é agua de um mar qualquer. Não. Segundo a literatura no dorso da embalagem trata-se de água "recolhida num local seleccionado da Bretanha". Uau, vem de longe, esta água. Se calhar poderia ir aqui à praia da Costa da Caparica lavar a penca com águinha retirada directamente das ondas mas, pelos vistos, não seria bem a mesma coisa. A água do mar da Bretanha tem decerto qualquer coisa de mágico já que aquilo é terra de duendes e druidas e por lá se desenrolam mistérios tão antigos que já se lhes esqueceram os nomes e os contornos. Assim sendo desembolsei 8,85 € por uma elegante embalagem de simples água do mar. Não está mal como negócio. Afinal de contas a coisa vem de Chenôve, França, o que lhe dá, sem dúvida, um toque de sofisticação. Espero que me alivie os canais, mesmo que seja à força da intervenção de alguma fada desconhecida. Gabo-me de não ser xenófobo, espero que isso sirva para alguma coisa numa situação como esta.

segunda-feira, maio 14, 2007

Cerumen (ou monstro?)

Terei o colesterol mais ou menos e a tensão arterial assim-assim. Os pulmões devem estar para o negrito e o nariz, caraças, esse, na Primavera, parece sei lá o quê, entupido, fanhoso, aborrecido por não poder estar em paz. Toda esta porcaria acumulada nos canais e vias de comunicação corpo acima, corpo abaixo, provocam uma acumulação de nhanha tal que estou virtualmente surdo.

Tenho passado os últimos dias como se estivesse fechado no fundo de um barril cheio de água, a ouvir o mundo borbulhar ao longe com menos graça ainda do que é seu costume e apanágio. Se não tivesse de dar aulas até que nem seria mau de todo. É uma sensação meio estranha, esta, de estar quase desligado dos sons que me rodeiam. Obriga-me a dar muito mais atenção às pessoas que querem comunicar comigo, olho-as mais fixamente, coisa decerto algo intimidatória para quem não está ao corrente do meu entupimento geral. "Porque está este gabirú a entrar-me com os olhos na cara?", devem pensar, mas não é por nada mais que não seja esta estúpida surdez passageira.

O mais aborrecido é não conseguir ouvir o noticiário na TV sem incomodar as outras pessoas. Então prefiro desistir. Leio o jornal. O menos aborrecido é poder concentrar-me melhor e não precisar de fingir que não ouço aquilo que na verdade não posso ouvir. Ainda por cima posso imaginar um pouco mais ou menos que sou o imortal Goya (mal perca a surdez lá se vai a ilusão!)

Amanhã vou ao posto médico propor que me limpem os ouvidos. Vai ser o bom e o bonito. Estou curioso para ver o que vai sair dali. Se cêra, apenas, se algum monstro langonhento e meio adormecido a espernear por ser desalojado do conforto da caverna que por ora habita.

Se for monstro juro que o mato!

domingo, maio 13, 2007

Explorações

O Bispo em 1º plano com o ícone mais procurado e mais comercializado, em fundo
Em entrevista ao DN, D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, diz-se preocupado com "infiltrados" que tentam aproveitar-se do clima que se vive no santuário para extorquir dinheiro às pessoas.
Para mim, que não simpatizo nem um bocadinho com a igreja católica, esta preocupação cheira malzito e as lágrimas que se adivinham no coração do bispo são lágrimas de crocodilo.
Não será Fátima, ela própria, um fenómeno nascido na extorsão? Aquela cidade existe alicerçada na exploração dos peregrinos e sobrevive à conta do comércio feito em redor das aparições onde tudo se vende aos crentes que, normalmente, são pessoas simples e devotas, prontas a praticar os mais inacreditáveis sacríficios na esperança de captarem a atenção e as boas graças da Virgem.
Ver crentes que percorrem de joelhos o espaço do santuário, sangrando e chorando em histeria é uma imagem muito feiosa, benza-os Deus. Não haver quem, na hierarquia católica, tente pôr ordem nesta desordem emocional só pode significar que o sofrimento gratuito dos crentes aproveita a alguém. Mas, uma leitura da referida entrevista em http://dn.sapo.pt/2007/05/13/sociedade/seitas_catolicas_estao_a_infiltrarse.html poderá ajudar a esclarecer um pouco a hipocrisia algo fedorenta com que se explora a crendice alheia. Não tardará muito para que a igreja católica registe a patente da Virgem de Fátima e reclame o exclusivo dos negócios no recinto dos milagres. Não estamos em tempo de oferecer aos outros aquilo que, por milagre, nos caiu no regaço. Pois não senhor Bispo?

Iconofilia


Todos os anos é a mesma coisa e repete-se a romaria. Os católicos acorrem aos milhares a Fátima, lugar santo onde aconteceram coisas extraordinárias em tmpos que já lá vão. Para quem acredita em aparições e outros fenómenos sobrenaturais, Fátima é de visita obrigatória.
Tudo começou com os pastorinhos que viram a Virgem repetidamente e com ela falaram e a ela rezaram. Dois deles, os que faleceram quase imediatamente a seguir às aparições (aquilo deve ter-lhes sugado muita energia vital, pobres crianças, não é à borla que se assiste a um espectáculo daqueles!) foram recentemente canonizados. São agora "santinhos" de pau, representados com aquela expressão vazia, de olhar perdido, herdada das estátuas gregas da antiguidade por via das cópias romanas. Pela cara tanto podem ser o Francisco e a Jacinta Marto como a Afrodite ou o Adónis. Aliás, se compararmos as feições das imagens dos santinhos com as das crianças na foto a preto e branco, verificamos que ser santo é atingir um estado de abstracção que nos retira a personalidade para fazer de nós estereotipos. Ser santo é deixar de ser gente e passar a símbolo da igreja. Como tal é estar ao serviço dos superiores interesses da instituição católica. Nada de mais. Interesses são interesses, por muito santos que se pretendam. Será por isso que as representações das crianças no cinema também se socorrem de jovens actores bem mais bonitos do que os meninos verdadeiros. Não se pretende mostrar nada que aproxime da verdade, isso raramente interessou aos criadores de imagens religiosas, antes se estabelecem os contornos de símbolos para veneração.
Tal como os gregos haviam feito, também os católicos apostólicos romanos procuram ícones de pele lisa, olhar perdido e feições apolíneas para os seus heróis, mesmo que isso seja um nítido golpe de marketing como facilmente se constata comparando a foto dos pastorinhos com as outras imagens que ilustram este post.
É sabida a perigosa tendência para a iconofilia que caracteriza os crentes católicos menos dados às subtilezas teológicas. Quem crê com o coração não crê com a mente. Com a mente crê-se noutras coisas, dificilmente na Virgem, mais noutro tipo de coisas...
Assim sendo temos em Fátima um fenómeno religioso com uma forte componente iconófila (basta recordar o "passeio" da imagem da Virgem pelas avenidas de Lisboa e a histeria colectiva que se viveu perante uma imagem de madeira pintada... isto é um pecado gravíssimo, nem sei se não é mortal, adorar um ídolo de madeira...) onde são adoradas imagens que o povo ama incondicionalmente.
Experimente-se Fátima sem a procissão onde é exibida a imagem da Virgem. Ou mesmo com a procissão, mas sem a imagem, orando apenas. Havia de ser o bom e o bonito! Um motim popular, no mínimo!

Fadas


Hoje fui ver este filme ao Monumental, em Lisboa. Não tinha grande informação nem grandes expectativas sobre a coisa. A minha família acabou por não ficar muito impressionada com a película (a minha filha não gostou) e eu compreendo. Na verdade saí mais ou menos como tinha entrado.
É um filme correcto, certinho, com décors de muito bom gosto e interpretações bem limadas ao serviço de um argumento, também ele, certinho, bem limado e com pormenores de bom gosto indiscutível. É tudo assim, limpinho e no lugar. O resultado acaba por não entusiasmar e, no meu caso, não chegou para chatear.
Resumindo e concluindo, exceptuando algumas cenas mais conseguidas, é um filme que não faz mal nenhum não ver. Vê-lo também não constitui nenhum crime de lesa-cinema. Enfim...

sexta-feira, maio 11, 2007

À procura da beleza (10)

Temas para ouvir enquanto se pinta ou se desenha ou então não.



Moby



Mozart



Primal Scream



The Cult

Homem-Macaco-Homem


Tal como nós, também o chimpanzé começa a ser (é agora) reconhecido por muitos como um patamar evolutivo em direcção a uma espécie mais desenvolvida. A nossa espécie não pode ser o "fim do caminho" da inteligência animal. Isso seria demasiado cruel.

Os chimpanzés estão aí para nos permitirem sonhar com algo melhor do que nós próprios. «Os chimpanzés têm vocalizações para assinalar estados emocionais, identificar frutas, situações de ameaça ou para se referirem a outros chimpanzés, como se os chamassem pelo nome próprio. "até têm vocalizações para saudarem um indivíduo que não viam há muito tempo", conta a primatóloga Catarina Casanova. "Está-se a descobrir que eles têm uma linguagem."»
Na minha desavisada opinião basta acreditar que isto é possível para que não levemos muito tempo a incluir os chimpanzés na grande família humana. E há opiniões bem mais avisadas a afirmá-lo sem vacilar. As provas da sua inteligência são mais que muitas e só o velho preconceito que nos coloca no Éden com um Deus barbudo, vestido com uma combinação cor-de-rosa, como o do tecto da Capela Sistina, a dizer-nos que criou aquilo tudo para nós curtirmos pode evitar que olhemos os nossos irmãos chimpanzés com olhos de familiares simpáticos, ainda que desconfiados. Se os chimpanzés são humanos talvez tenhamos que recriar o estereótipo da imagem divina... mas isso já é conversa de outra aventura.

«O que se julgava ser característico dos Homo Sapiens foi-se descobrindo nos chimpanzés(percebeu-se, por exemplo, que fabricam ferramentas e organizam guerras genocidas!) , ao ponto de a comunidade científica começar a considerá-los humanos.» Lindo. Utilizam plantas como medicamentos e passam esse conhecimento de geração em geração. «Em más condições de cativeiro, desenvolvem patologias do foro psíquico como os condenados a prisão perpétua(...) Sofrem da mesma maneira que nós e têm percepção da dor.»

Etc., etc., as semelhanças são tantas que até se observa que «Os chimpanzés têm danças rituais da chuva, só feitas em alturas de grandes trovoadas. Talvez estejam a agradecer a chuva por trazer mais frutos.» É bonito, mostra gratidão! «É uma proto-religião. Provavelmente foi assim que surgiu a religião entre os nossos antepassados humanos.» Alguém duvida que tenha sido qualquer coisa deste género que trouxe até nós Deus e os restantes deuses?

Basta olhar as divindades egípcias para perceber como os fenómenos naturais e os animais selvagens, representativos das forças bestiais da natureza, estão na base da crença humana em seres fantásticos que lhes são superiores e organizam o andamento das coisas do Universo inteiro. E o cristianismo é bem um clone das antigas religiões da beira do Nilo em alguns aspectos dos quais a crença na vida para lá da morte não será o menos evidente. Oferecer uma forma humana a estas forças misteriosas não é mais que uma cortesia de civilizações mais requintadas e narcisistas, como a nossa.

Este post é baseado no artigo "Eles já são humanos" de Teresa Firmino, saído na edição do P2, o suplemento diário do jornal Público de 10 de Maio que termina explicando que [os chimpanzés são, pelo menos, humanos como nós?]«Humanos, no sentido em que devem pertencer ao género Homo, mas de uma espécie diferente da nossa» diz Catarina Casanova.
Estou tentado a acreditar que há por aqui um fundo de verdade. Tu não?



quinta-feira, maio 10, 2007

(mais) Um grande Eisner

Hoje fui à FNAC de passagem (tinha ido ao centro comercial para comprar uns ténis) e encontrei esta nova edição de Will Eisner em Português. Folheei e meti debaixo do braço. Saí do centro comercial sem ter comprado os ténis mas vinha satisfeito por ter encontrado o velho mestre, ali na prateleira, como se estivesse mesmo à minha espera.
Trata-se de mais uma novela com uma personagem de origem judaica, o velho Fagin, terrível malfeitor em Oliver Twist de Charles Dickens. Eisner conta-nos a história que Dickens "omitiu" para nos mostrar que Fagin não é um malfeitor por ser judeu mas sim porque as circunstâncias da vida o transformaram naquilo.
Mais um conto de fundo moralista do velho mestre da Banda Desenhada (ou dos Comics, dependendo do lado do Atlântico de que se olha a obra de Eisner) com uma narrativa fluente e sequências de imagens irrepreensíveis. Eisner é, realmente, um dos maiores autores de todos os tempos nesta coisa da 9ª arte.
Aqui há dias li que Frank Miller está a preparar uma versão cinematográfica de The Spirit, a mais famosa das personagens criadas por Will Eisner. Aguardo com curiosidade o resultado. Não deixará de ser interessante verificar como irá o sanguinolento autor de Sin City (ou do mais recentemente adaptado 300) interpretar a personagem de The Spirit que é quase pueril quando analisada sob os parâmetros actuais das personagens de acção. Certamente uma estranha simbiose. A ver, quando for caso disso.
Fica o link para aqueles que não sabem bem de quem se fala quando se fala do Mestre Eisner http://willeisner.tripod.com/.

quarta-feira, maio 09, 2007

Educação infantil








Japão, Palestina, States... 3 exemplos de como, afinal de contas, andamos todos preocupados com a merda que fazemos.

terça-feira, maio 08, 2007

Projecto Educativo

Ao que parece começamos a chegar à conclusão que "progresso" não é só crescimento económico e auto-estradas a cortarem o horizonte às postas.
Quando digo "nós", estou a referir-me aos cidadãos comuns, aqueles cuja capacidade de intervenção nos destinos da república se limitam ao voto, quando a isso são chamados ou então a dizerem alto e bom som aquilo que pensam uma vez que a liberdade de expressão é um bem adquirido que ainda ninguém conseguiu limitar, embora haja quem tente fazê-lo.
Quando verificamos que nos programas escolares a Filosofia perde terreno para as chamadas "ciências exactas" e a Literatura perde o pé na piscina das "novas tecnologias" percebemos que nos corredores do poder o "progresso" continua a ser medido em gráficos de barras e balanças comerciais mal amanhadas.
Para os nossos dirigentes um cidadão é, cada vez mais, uma peça da máquina. Não precisa de pensar mas sim de produzir eficazmente. Não lhe faz falta capacidade de abstracção poética, antes lhe será necessária capacidade de abstracção vazia de conteúdo, para poder concentrar-se melhor nas suas tarefas mecânicas do dia-a-dia. Nada de distracções ou evasões sonhadoras que isso só prejudica a paz de espírito necessária aos actores na comédia que é esta marcha do "progresso".
Com mais Matemática e menos Literatura teremos uma sociedade mais plástica, por assim dizer, mais moldável de acordo com os grandes desígnios da Economia. Um cidadão exclusivamente preocupado com a sua conta bancária tende a ignorar as questões sociais. Um cidadão consumidor será menos solidário. As escolas e os agentes educativos de base, professores e encarregados de educação, terão de abrir os olhos e decidir enquanto é tempo. É necessário definir um Projecto Educativo Global de acordo com um ideal de Sociedade assumido e não apenas dissimulado nas entrelinhas dos programas escolares impostos pela tutela.
É uma reflexão urgente que todos temos de fazer!



segunda-feira, maio 07, 2007

Reconciliação

Vanessa Fernandes cortando a meta no Pavilhão Atlântico perante uma multidão no mais completo delírio. Heidi Grimm havia de chegar mais de 15 minutos depois...


Disputou-se ontem em Lisboa mais uma prova da Taça do Mundo de Triatlo. Como se esperava, Vanessa Fernandes foi a vencedora da prova feminina, ascendendo à liderança do ranking. Foi a apoteose desta atleta extraordinária com o povão a entrar em delírio numa festa bem portuguesa, a transbordar de emoção, com lágrimas misturadas nos sorrisos rasgados pela gritaria vitoriosa, à beira da histeria. É disto que o meu povo gosta e eu também.



Mas o motivo deste post e da minha reconciliação com o sol que enegrece as sombras do dia que agora fenece tem a ver com uma notazinha publicada no Público, juntamente com a notícia da retumbante vitória de Vanessa. Filipe Escobar de Lima, o repórter de serviço na Taça do Mundo de Lisboa, oferece-nos um pormenor que, na minha óptica, diz muito do que é ser português. Ora vejamos:

Heidi Grimm foi aplaudida como vencedora

O prazer de ser última (ou antepenúltima)

"Só à segunda passagem pelo pavilhão é que percebi que as palmas eram para mim", contou Heidi Grimm. Cada vez que a norte-americana do Colorado entrava pela porta em direcção à passadeira azul estendida lá voltavam os aplausos. Sem ironia e com todo o calor humano. "Foi incrível, senti-me uma portuguesa a correr em casa." A triatleta de 39 anos, agora a viver em Nova Iorque, passou quase toda a corrida no último lugar e foi a mais aplaudida a seguir às portuguesas.
Foi uma espécie de catarse. Quando Grimm irrompeu no recinto, descalça e a pingar a água do rio, [o Triatlo é uma prova composta por natação, ciclismo e corrida a pé] correu para a sua bicicleta - era a única que restava, num deserto de fatos de mergulho e toucas espalhadas pelo chão - e os olhos de todos fixaram-se naquele corpo esguio. Ela, indiferente; o público, acabrunhado, foi-se soltando em incentivos. Era a última, sem hipótese de lutar por nada e, mesmo assim, teimosa, montou no aparelho para se fazer à prova de ciclismo. Tanto empenho para quê? Quando voltou para a primeira de oito voltas, [a prova realizou-se em circuito com passagem pelo interior do espectacular pavilhão Atlântico, sobre a tal passadeira azul] o público levantou-se e aplaudiu-a. Ela, 46ª do ranking, respondeu com sorrisos e acenos [pronto, ela sorriu para uma turba de portugueses eufóricos pela liderança de Vanessa, nem sabia no que se estava a "meter"!] Foi assim até à "cavalgada" final. Ultrapassou quatro ou cinco... Na parte de atletismo, entrava de braços abertos, acenava para as bancadas, os adeptos respondiam. A chegada foi triunfal. Como triunfante foi o 49º lugar... em 51 atletas! Mais de duas horas de puro esforço (duas horas e dezanove minutos a lutar com uma francesa e uma romena).
"Gosto de desporto e assim também aproveito para viajar. Vou agora à África do Sul [próxima prova da Taça do Mundo], diz, de sorriso contínuo. Abraçou as portuguesas. "Nem acreditei. Senti que estava a correr em casa. Foi muito boa esta estreia em Taças do Mundo. Eu respondi ao entusiasmo do público", explicou a atleta. O público perfilhou-a. Quis tê-la como um dos seus. Ela não se importou."

Esta narrativa derreteu-me o coração. Não estive no Pavilhão Atlântico. Vi as imagens pela TV da extraordinária festança que foi a entrada de Vanessa Fernandes para cortar a meta. Arrepiante! Não imaginava que houvesse uma Heidi Grimm, quem se lembra de referir a 49ª classificada em nota de destaque? Lembrou-se Filipe Escobar de Lima que realizou, assim, um excelente trabalho de reportagem. No jornal desportivo que folheei ao fim da tarde não havia lugar para a saga de Grimm, apenas referências aos feitos dos atletas portugueses envolvidos.
Escobar de Lima mostra-nos aquilo que sabemos ser de vez em quando. Na nossa incondicional admiração pelos que não desistem podemos tornar-nos tão humanos, tão humanos que só temos emoção à flor da pele e mais nada interessa. Gritamos, esbracejamos, choramos e rimos ao mesmo tempo. Como animais ou lá que é isso. E é tão bom!!!
Obrigadão, ó Filipe, fizeste-me regressar à Terra com algo melhor dentro de mim e a dançar-me nos lábios.

Bom tempo

Chiça penico, quanto mais brilha o sol mais negra é a sombra!

Afinal de que falamos nós quando falamos de "bom tempo"? É o tempo do solinho e das areias da praia, das mangas-curtas e dos óculos escuros? Quando vemos sol forte pela manhã já ganhámos o dia! É o bom tempo em todo o seu esplendor. Mesmo que as pessoas continuem a ser tratadas como montes de merda com 2 olhitos e que o trabalho seja visto como um mal a suportar e não se dê o mínimo valor ao esforço de quem o faz. Mesmo que os tiranetes de opereta se riam do alto das suas barrigas ou os cães vadios continuem a ganir e a rosnar pelos cantos da cidade, haja sol, temos bom tempo.

Ou será que o "bom tempo" verdadeiro é aquele que já passou, aquele de que só restam vagas recordações que nos fazem saudosistas e desconfiados perante o momento que estamos a viver? "No meu tempo é que era!" ouço dizer e, quando volto a cabeça para encarar o autor do desabafo, vejo sempre um velho a tentar puxar para mais perto os tais "bons velhos tempos".
Pois é, é aí que reside o pormenor que faz a diferença. Quando falamos no singular e dizemos "bom tempo", é do sol que falamos. No plural, "bons tempos", é do passado, de quando fomos felizes, mesmo que isso não seja bem verdade nem tão-pouco mentira, apenas uma ilusão polida e aprimorada pela distância do Tempo (esse aí, com "T" já mete mais respeito mas não quero pensar Nele agora).

Isto a propósito de estarem a passar-se coisas incómodas e injustas e nítidamente mal intencionadas a toda a hora e momento, mesmo à frente dos olhos de todos nós. Mas, como o sol está ali mesmo a dourar a caca, nós dizemos, resignados, que está um belíssimo dia e um sol glorioso. Não está nada.
Está a ser um dia de merda!

sábado, maio 05, 2007

Incómodo

Anda no ar uma estranha sensação. Será do calor que chegou em força e já nos vai empurrando para as sombras projectadas dos prédios sobre a calçada, será do stress característico após mais uma semana de trabalho? Não consigo explicar exactamente o que me incomoda. Mas que há algo a remexer-me as tripas, ai isso há!

Talvez seja algo relacionado com notícias insistentes e diárias que nos vão atravancando o sótão com centenas, milhares de macaquinhos. Notícias que falam de corrupção em tudo quanto é gabinete e cargo público, notícias que explicam o desrespeito continuado das leis por aqueles que as criam e aprovam (para os outros cumprirem, ao que parece!), notícias que me deixam a balançar entre a tristeza e a revolta, impotente, seja como for.

A Democracia começa a perder-se neste labirinto de vigaristas e oportunistas que vasculham o lixo dos poderosos em busca do seu quinhão, da sua migalha, desesperados por encontrarem restos que lhes aproveitem. Nem serão tanto os ministros. Quem os apoia, quem lhes preenche a sombra? As máquinas partidárias (o texto de Pacheco Pereira no Público de hoje é muuuuito interessante) são o cimento do sistema e os partidos políticos os alicerces da nossa Democracia? Temo que isso deite tudo a perder.

Penso ser daqui que vem a tal estranha sensação, o incómodo. Há qualquer coisa mas não consigo perceber exactamente os seus contornos. É um mostrengo, uma angústia, uma coisa ruim, não sei. É uma coisa pútrida mas cheia de vitalidade, um coisa que deixa um rasto de pus quando se move e que muda de lugar com toda a facilidade. Uma coisa que está a minar a nossa sociedade. Um parasita tremendo que nos suga o sono e nos devora os sonhos.

O que fazer?


sexta-feira, maio 04, 2007

À procura da beleza (9)

Maravilhosos, incorruptíveis e imbuídos de um espírito de sacrifício a fazer pensar no Cristo a penar na cruz. Segue-se breve colecção de cromos evidentemente incompleta mas com algum significado.









Estes são alguns dos que nos governam. Perante factos os argumentos fraquejam. Olhem bem para eles. OLHEM BEM PARA ELES! Alguns são meros idiotas. E nós não podemos ignorar a nossa responsabilidade por termos gente desta a comandar os nossos destinos. São do piorio. Fraca chicha, como se diz na minha terra. Uma vez alapados ao poder não há poder que os descole. E a culpa é nossa! Um povo que elege dirigentes desta estirpe não merece mais do que aquilo que tem.
Vou beber um copo. Ou dois.
Se calhar bebo três!
Post Scriptum: Passadas algumas horas, talvez nem tanto, relendo este post (não o scriptum) fez-se luz neste meu espírito que Deus faz o favor de alumiar com candeia ás avessas. O povo vota nestes gajos para ter um pretexto para apanhar valentes e épicas bebedeiras! Nós queremos ser governados por incompetentes e corruptos de todas as cores, pesos e espécies animais pois isso leva-nos direitinhos à barra da tasca a suspirar por mais um penaltie e um bagaço a verter por fora! E com razão!!!
Como somos profundamente católicos, quando chegar o dia do Juízo Final e Deus vier de lá com o vozeirão a acusar o pessoal "Bêbado!" um gajo argumenta" E o João Jardim?" se for madeirense, "E o Salazar (que está a abanar as fogueiras no Inferno)?" se tiver tido o azar de ter vivido sob o regime do Botas de Santa Comba. Etc., etc., etc., a lista é de tal modo extensa e variada que Deus não vai ter outro remédio que não seja arranjar um local intermédio para o povo português. Nem céu (que seca tenebrosa) nem inferno (não vale a pena exagerar, ó pá!), vamos todos parar a uma tasca. Com cheiro a vomitado e fumo (muito fumo) de tabaco. Sem filtro, porque é castigo.

Doutores e Presidentes

Carmona Rodrigues mostrando os seus dotes de equilibrista em situação de risco numa BTT. Doutor ciclista?

Portugal é um país de Doutores e Presidentes. Muitos acumulam, a ordem é arbitrária. Um Doutor Presidente ou um Presidente Doutor são mais ou menos a mesma coisa e o seu inverso.
Carmona Rodrigues, o Presidente de quem mais se tem falado nos últimos dias, concluiu a licenciatura em Engenharia Civil em 1978, como aluno civil, com a média final de 15 valores nos bancos da Academia Militar.
Teríamos um Presidente Engenheiro não fosse dar-se o caso de ter obtido o grau de Doutor em Engenharia do Ambiente, pela Universidade Nova de Lisboa, em 1992, tendo apresentado a dissertação Modelação Matemática da Qualidade da Água em Albufeiras.
Ora temos então um Presidente Doutor Engenheiro a manobrar os destinos da Câmara Municipal de Lisboa. Este somatório de qualificações tem permitido a Carmona ser mais Engenheiro Presidente Doutor do que propriamente Presidente, só e apenas, sem mais nada.
Isto porque as habilidades que tem mostrado são fruto de autêntica engenharia presidencial apenas ao alcance dos melhores doutores dos que vão sendo produzidos nas mais diversas faculdades da Lusa pátria.
Poucos se recordarão que desempenhou funções no XV Governo Constitucional como Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, ao longo de 15 meses nos idos de 2003. Isto para dizer que Carmona já foi outrora Ministro Doutor Engenheiro o que só lhe valoriza o currículo.
O nosso actual 1º Ministro, por exemplo, já não se pode gabar de tão dourado título pelas razões que se conhecem. Carmona é, sem sombra para qualquer dúvida, figura de proa num país como este, onde os rótulos têm valor acrescentado e, quando a peça vem embrulhada em fato e gravata, abrem portas atrás de portas nos corredores do poder político, independentemente da qualidade do produto dentro do embrulho.
As trapalhadas resultantes do sai-não-sai-fica-já-ficou-e-talvez-não-fique dos últimos dias vêm manchar a Presidência do nosso Doutor Engenheiro.
A forma como Marques Mendes garante que Carmona havia concordado com o seu afastamento do poleiro que ocupa e este vem desconcordar não tem ponta de elegância, bem antes pelo contrário. Em que é que ficamos? Conversaram os dois. É um facto. Mas, pelos vistos, não devem ter falado da mesma coisa uma vez que o Presidente do PSD se engasgou bastante na entrevista televisiva de ontem na RTP 1 para explicar esta trapalhada inexplicável.
Isto são coisas entre Doutores Presidentes e, como tal, não se pode dizer que um deles (ou mesmo ambos) esteja(m) a mentir. Entre seres desta espécie podem, quando muito, faltar à verdade ou então dizerem inverdades (este termo é extraordinário!), mas mentir não. Isso nunca! São Presidentes Doutores!

quarta-feira, maio 02, 2007

Memórias (demasiado curtas)


Eles lá sabiam... mas esqueceram-se.

«Engenheiro José Sócrates, vamos vê-lo, um dia, primeiro-ministro?»
«Não! Primeiro, porque não tenho o talento e as qualidades que um primeiro-ministro deve ter. Segundo, porque ser primeiro-ministro é ter uma vida na dependência mais absoluta de tudo, sem ter tempo para mais nada. É uma vida horrível e que eu não desejo. Ministro é o meu limite.»

JOSÉ SÓCRATES, ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.
Dna, 16 de Setembro de 2000


«Tem esperanças de um dia passar a ser o número um [do PSD]?»
«Não! Nem pensar! Essa perspectiva está completamente fora do meu horizonte.»
«Por que o diz de forma tão determinada?»
«Porque não tenho qualquer tipo de dúvidas. Tenho noção das minhas qualidades e das minhas limitações.»

MARQUES MENDES, então líder parlamentar do PSD.
VIP, 20 de Janeiro de 1999


É lixado quando registam todas as parvoíces que dizemos e, mais tarde, nos mostram como eram, na verdade, parvoíces completas, daquelas que ajudam a definir o conceito.

terça-feira, maio 01, 2007

1º de Maio

Fernand Léger, Os Construtores


Celebra-se hoje o Dia do Trabalhador. Nos tempos que correm é uma celebração amarga. Depois de tantas décadas em que os trabalhadores conseguiram conquistar direitos inimagináveis, afirmando a nobreza do trabalho e conseguindo a recompensa devida pelo seu esforço quotidiano, assistimos impotentes ao retrocesso dessas conquistas por força da vitória temporária dos princípios economicistas que animam e justificam o capitalismo selvagem.


Nunca havia sido criada tanta riqueza como aquela que criamos hoje. Mas, ao contrário do que sonharam os nossos avós e ainda acreditaram os nossos pais, a distribuição dessa riqueza é cada vez mais desiquilibrada gerando um mundo instável e injusto, permanentemente à beira da implosão.


As questões sociais são ignoradas, os direitos individuais dependentes da conta bancária. O acesso à Justiça é uma mentira e o direito à Educação um sonho cada vez mais distante. Não sei que festejar num dia como este. Acho que não vou festejar nada. Vou preparar o meu dia de amanhã. O meu dia de trabalho.