terça-feira, janeiro 09, 2007

O processo (parte 3)

O Grande Quíron oferece uma prendinha ao Sr. Silva, técnica mista (2006)

Quem sabe o que poderá resultar do Processo?
Vai para uns anitos chamei-lhe "Hibridização Anárquica". A ideia é tão simples que até pode chatear mas acaba por fazer todo o sentido... digo eu.
O Processo consiste em deixar fluir ideias e acções com a maior liberdade possível. Os materiais quase se sobrepõem ao acto de os manipular.

Foi Ernst (o Grande Max ou Dadamax, como preferirem) que fez notar as potencialidades infinitas de certas técnicas de trabalho plástico verdadeiramente automáticas. Entre elas destaca-se a de lançar um trapo embebido em tinta sobre uma superfície e ficar a olhar, esperando que a mancha daí resultante revele ao pintor a sua essência. Entre a acção de lançar o trapo e a descoberta da imagem assim potenciada, medeia um tempo de contemplação mais ou menos atenta, mais ou menos silenciosa, mais longa ou, eventualmente, curta. O artista espera que o material lhe revele para onde poderão ambos dirigir-se. Há nisto qualquer coisa de mágico.
Em determinado momento o artista começa a actuar e, a meias com a sorte e a imaginação, vai descobrindo um sentido nas manchas e nas linhas que, poderia muito bem, ser outro, não aquele que se vai formando. É um trabalho magnífico. Mesmo que o resultado seja uma merda, o Processo é infalível na condução do pensamento por caminhos à partida inimaginados.

A Hibridização Anárquica consiste na condução do Processo introduzindo outros dados de forma consciente ou nem por isso. A música que ouvimos de manhã, a leitura que fizemos ao almoço, a conversa que tivemos à sobremesa, o sonho que sonhámos anteontem e já não podemos, de forma nenhuma recordar, a pancada incómoda do joelho na cadeira... todas estas energias serão transmutadas em formas nem sempre premeditadas, concentradas na superfície de trabalho e ali depositadas. O desenho, a pintura, o que quer que estejamos a criar, irá beneficiar desta força incompreensível, retendo-a para que fique à disposição do observador eventual.
Quando o observador cruza o seu olhar, a sua energia vital, com a imagem assim criada, despoleta um processo de identificação que resulta em algo absolutamente novo, maravilhosamente imprevisto e fecundo. A sua leitura do objecto plástico consiste num outro Processo, também ele infinitamente criativo e pessoal, resultando um híbrido incorpóreo e etéreo, como um fantasma que convidamos a sentar-se à nossa mesa.

Assim é.

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