terça-feira, outubro 03, 2006

Rau


Honoré Fragonard
Portrait of François-Henri, Duke of Harcourt, c. 1769

Finalmente fui ver a exposição da colecção de pintura do Dr. Rau, no Museu Nacional de Arte Antiga. Vale a pena, quanto mais não seja, ver Cranach, Reni, Gainsborough, Corot, e outros que tais, em Lisboa. Mas este Fragonard é, talvez, o quadro que mais me impressiona de todos os que lá dormem mais esta noite, aconchegados nas suas almofadinhas da História.

Este matreco era um pintor que não me fazia bulir nem um pouco o coração. Ele era Rocócó, ele aparecia sempre associado a uma pintura que mostra uma menina (ou senhora) a andar de baloiço no meio de um jardim, enfim, tudo coisas que, vistas assim nos livros de pintura ou de história da arte, fazem bocejar o mais desperto dos mortais cafeínados.

Ainda por cima, do alto da minha juventude, olhava estas reproduções com o desdém próprio de quem está habituado, sem o saber ainda, a emprenhar pelos olhos com a facilidade de uma galinha poedeira. Os temas de Fragonard dificilmente impressionariam um adolescente mais interessado em Philip K. Dick e nos Clash que na leitura das Viagens na Minha Terra ou de Folhas Caídas, conforme me obrigavam nos bons velhos tempos da escola secundária.

Tudo mudou quando vi, pela primeira vez na vida, no Louvre, uma pintura deste gajo. Não recordo exactamente qual, nem isso é relevante para o caso. Fiquei siderado perante o vigor incrível do trabalho de Fragonard, isso sim. Uma pincelada a rasgar o espaço da tela, uma agitação tal, uma energia tão extraordinária que percebi (mais uma vez) como o preconceito juvenil nos pode fazer corar de vergonha uns anitos mais tarde. Em silêncio e em segredo, evidentemente. Fragonard foi um dos grandes mestres do século XVIII, sem a menor sombra para dúvidas. Um moderno antes de tempo ou no tempo certo, por ter sido o dele, está bom de ver.

Este Retrato do Duque de Harcourt tem tudo "aquilo". Nada se encontra em repouso. Tudo se agita num turbilhão arrebatador de emoção e energia, caraças! Muito mais do que o tema somos levados pela emoção da Pintura.

Noutra sala há uma paisagem de Cézanne, O Mar em L'Estaque e outra de Vlaminck, Paisagem Fauve Perto de Chatou. Cézanne afirmaria que a pintura, para o ser, se devia libertar da literatura e o pintor deveria concentrar-se nos elementos fundamentais da linguagem visual. Vlaminck, na sua qualidade de fauvista, enalteceu de forma arrebatada as qualidades da cor furiosa e emotiva. Perante esta pintura de Fragonard o que eles disseram (mais ainda o que fizeram) perde sentido, esvazia-se de significado e parece mais convencimento juvenil que verdadeira teoria ou prática estética.

Vai na volta nunca tiveram a felicidade de ver obras de Fragonard. O que me parece pouco provável mas perfeitamente plausível.

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