quinta-feira, outubro 12, 2006

Negócios

a sigla desta associação americana acaba por ser eloquente...


Pretender uma actividade de criação artística totalmente independente do investimento do dinheiro público e, em simultâneo, esperar que se reconheça vontade de "proteger" as artes não passa pela cabeça do palhaço mais pintado.

Por partes:
O Estado cada vez mais se retira da cena de apoio à criação artística. Os célebres e controversos subsídios para criação e montagem de espectáculos teatrais são mais uma miragem que uma recordação, as bolsas para escritores volatilizaram-se, as aquisições de obras de arte contemporânea pelo Estado... não me parece que isso exista.

Ora bem, o que queriam os artistas? Batatinhas, não? Os artistas, se querem sê-lo, devem conseguir garantir a sua independência através do comércio dos resultados do seu trabalho. Não podem esperar que instituições do Estado estejam disponíveis para investir neles!

Este é um princípio agora sagrado. O neoconservadorismo (e não só) tem da arte uma perspectiva pouco empolgante. Como são conservadores não vêem razão nenhuma para que se façam investimentos na criação de objectos de arte inovadores. Ainda por cima a maior parte dos artistas não é lá muito conservador (ossos do ofício) daí que sejam uma espécie a extinguir suavemente, sem dar muito nas vistas. Alguns artistas têm o hábito incómodo de morder a mão que os alimenta, tal qual alguns cães raivosos e pouco dados a que lhes passem a mão pelo pêlo.

Restam então os mecenas e investidores privados, raríssimos coleccionadores, enfim, aves demasiado raras para que se possa imaginar um mercado ou uma rede de criadores minimamente funcional.

O caso do teatro é paradigmático. Os apoios do Ministério da Cultura seriam miseráveis e pouco claros na forma como eram apreciados pelo júri e distribuídos pelos candidatos mas permitiam um teatro menos convencional e mais variado na suas opções, estéticas ou
outras. O panorama teatral era bem mais variado do que o actual, apesar dos esforços notáveis de alguns criadores independentes para manterem o Teatro a um nível diferente de Morangos com Açúcar ou longe de uma Conversa da Treta.
Enfim... não me consta que Miguel Ângelo tenha pintado a Capela Sistina porque lhe deu na bolha e sei que Daumier ia morrendo de fome. A Arte não é um negócio como os outros, muitas vezes não chega sequer a ser um negócio mas os conservadores que ocupam o poder com o seu olhar economicista não vêem muito mais que um palmo à frente do nariz noutras matérias que exijam mais que uma máquina de calcular.
Se calhar até têm razão nos cortes orçamentais e a arte não serve para nada que (lhes) interesse. Mas ao menos podiam poupar-nos a personagens como Isabel Pires de Lima e outras tristezas.

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